Chris Harman

Apresentação à tradução brasileira

O texto que disponibilizamos a seguir é uma tradução do livreto How Marxism Works, de Chris Harman. Publicado pela primeira vez no ano de 1979, teve sucessivas reedições. A tradução que ora apresentamos foi feita com base na edição de 1983.

Apesar do tempo e, obviamente das referências a fatos e acontecimentos um tanto antigos (afinal, muita água rolou nesses 17 anos), o texto permanece essencialmente atual. Nele o leitor encontrará um texto introdutório ao marxismo, escrito de uma forma simples, compreensível, porém sem cair nas armadilhas do simplismo barato. Ao contrário dos manuais e «cartilhas» que à guisa de apresentar uma exposição compreensível das principais categorias marxistas, acabam por vulgarizar o próprio marxismo, o texto de Harman é um convite ao estudo e à reflexão. Simplesmente «abre uma porta» para que o leitor possa a partir dele aprofundar seus conhecimentos e alimentar uma prática socialista e revolucionária conseqüente, na qual a teoria e a prática estão intimamente ligadas.

Chris Harman é dirigente do Socialist Workers’ Party da Grã Bretanha e autor de inúmeros livros, dentre os quais Explaining the crisis, The Lost Revolution, The Fire Last Time (1968 and after), The Changing Working Class (co-autoria com Alex Callinicos), The Economics of the Madhouse e, lançado recentemente, A People’s History of the World, além de inúmeros ensaios e textos. A presente tradução é de autoria de Sérgio Domingues.

[Castellano]



Introdução

Existe um mito muito difundido de que o Marxismo é difícil. Isto é muito propagado pelos inimigos do socialismo – Harold Wilson gaba-se de nunca ter sido capaz de ir além da primeira página d’O Capital. É um mito também encorajado por um tipo peculiar de acadêmicos que se dizem marxistas: eles deliberadamente cultivam frases obscuras e expressões místicas com o objetivo de dar a impressão de que possuem um conhecimento especial, negado aos outros.

Portanto não é nada surpreendente que muitos socialistas que trabalham 40 horas por semana em fábricas, minas e escritórios acabem concebendo o marxismo como algo que nunca terão tempo ou oportunidade para entender.

Na verdade, as idéias básicas do marxismo são notavelmente simples. Ele explica a sociedade em que vivemos, como nenhum outro grupo de idéias consegue fazê-lo. Essas idéias possibilitam entender um mundo destroçado por crises, com sua pobreza em meio a tanta riqueza, seus golpes de estado e ditaduras militares, em que invenções fantásticas levam milhões para as filas do desemprego e da miséria, «democracias» toleram a ação de torturadores e estados socialistas ameaçam uns aos outros com mísseis nucleares.

Enquanto isso, os pensadores do establishment que tanto desprezam as idéias marxistas dão combate uns aos outros em um louco jogo de cabra-cega, entendendo pouco e explicando menos ainda.

Mas, embora o marxismo não seja difícil, ele apresenta alguns problemas para o leitor que toma contato com os escritos de Marx pela primeira vez. Marx escreveu há mais de cem anos. Ele usa a linguagem de seu tempo, cheia de referência a pessoas e eventos que praticamente ninguém conhece hoje em dia, a não ser que seja historiador.

Lembro de minha perplexidade quando, ainda na faculdade, tentei ler sua obra O 18 Brumário de Luiz Bonaparte. Não sabia sequer o que significava Brumário e quem era Luiz Bonaparte. Quantos socialistas não terão abandonado suas tentativas de se aproximar do marxismo após tais experiências?

Esta é a justificativa para este caderno. Ele pretende fornecer uma introdução às idéias marxistas, que fará mais fácil para os socialistas compreender sobre o que Marx falava e entender o desenvolvimento do marxismo também sob os cuidados de Engels, Rosa Luxemburgo, Lenin, Trotsky e todo um conjunto de pensadores menores.

A maioria do que está escrito neste panfleto apareceu em uma série de artigos no Socialist Worker (Trabalhador Socialista) sob o título «Explicando o Marxismo». Mas adicionei quantidade substancial de material novo. Em geral esse material novo é proveniente de uma exposição simplificada das idéias de Marx em «O Significado do Marxismo» de Duncan Hallas e das «Séries de Educação Marxista» da seção do SWP (Socialist Workers Party – Partido dos Trabalhadores Socialistas) de Norwich.

Uma última questão. O pouco espaço impediu-me de enriquecer este panfleto com algumas contribuições importantes da análise marxista do mundo moderno. Referências para leituras mais aprofundadas podem ser achadas no apêndice.

Chris Harman

  1. Por que precisamos de uma teoria marxista

Por que precisamos tanto de uma teoria? Sabemos que há uma crise. Sabemos que somos roubados por nossos patrões. Sabemos que estamos todos famintos. Sabemos que precisamos do socialismo. Todo o resto é apenas para intelectuais.

Você freqüentemente ouve palavras como essas de militantes socialistas e sindicalistas. Tal visão é fortemente encorajada pelos anti-socialistas, que tentam dar a impressão de que o marxismo é uma doutrina, obscura, complicada e chata.

Idéias socialistas são «abstratas», dizem eles. Podem parecer muito corretas na teoria, mas o senso comum da vida real nos mostra algo totalmente diferente.

O problema com esses argumentos é que as pessoas que os defendem, têm uma teoria delas próprias, mesmo que se neguem a reconhecê-lo. Pergunte a elas qualquer questão sobre a sociedade e elas tentarão responder com uma ou outra generalização. Alguns exemplos:

«As pessoas são naturalmente egoístas».

«Qualquer um pode vencer na vida se se esforça o suficiente«.

«Se não existissem os ricos, não haveria ninguém para dar emprego para nós.»

«Se pudéssemos educar os trabalhadores, a sociedade seria diferente.»

«É o declínio moral que levou o país para esse estado de coisas.»

Ouça qualquer discussão na rua, no ônibus, no bar. Você ouvirá dúzias de afirmações como essas. Em todas e em cada uma está presente uma visão sobre as razões porque a sociedade é tal como é sobre como as pessoas podem melhorar suas condições de vida. Todas essas visões são «teorias» sobre a sociedade.

Quando as pessoas dizem que não têm qualquer teoria, o que realmente querem dizer é que elas não organizaram suas concepções sobre a vida e o mundo.

Isto é particularmente perigoso para quem está tentando mudar a sociedade. Pois os jornais, o rádio, a TV, estão permanentemente enchendo nossas mentes com tentativas de explicar a confusão em que a sociedade se encontra. Esperam que nós aceitemos o que eles dizem sem pensar mais sobre essas questões.

Mas você não pode lutar para efetivamente mudar a sociedade, se não aprender a reconhecer o que é falso em todos esses diferentes argumentos e explicações.

Isto foi mostrado pela primeira vez há 150 anos. Entre 1830 e 1840, o desenvolvimento da indústria em regiões como o noroeste da Inglaterra arrastou centenas de milhares de homens, mulheres e crianças para trabalhos de remuneração miserável. Foram forçados a suportar condições inacreditáveis de pobreza.

Eles começaram a lutar contra isso com as primeiras organizações de trabalhadores – os primeiros sindicatos. E na Inglaterra, com o primeiro movimento por direitos políticos para os trabalhadores, o Cartismo. Junto com esses movimentos surgiram os primeiros grupos pequenos de pessoas dedicadas à causa da conquista do socialismo. Imediatamente surge o problema sobre como o movimento dos trabalhadores poderia atingir seu objetivo.

Algumas pessoas diziam que seria possível persuadir os governantes da sociedade a mudar as coisas por meios pacíficos. A «força moral» de um movimento pacífico de massa asseguraria que fossem concedidos benefícios aos trabalhadores. Centenas de milhares de pessoas organizaram-se, manifestaram-se, trabalharam para construir um movimento com base nessas concepções – somente para acabarem derrotados e desmoralizados.

Outros reconheceram a necessidade de usar «força física», mas achavam que isso podia ser alcançado por pequenos grupos de conspiradores isolados do restante da sociedade. Estes também conduziram dezenas de milhares de trabalhadores a lutas que acabaram em derrota e desmoralização.

Havia ainda outros que acreditavam que os trabalhadores podiam alcançar seus objetivos através da ação econômica. Na Inglaterra, em 1842, a primeira grande greve geral da história, aconteceu nas áreas industriais do norte, com dezenas de milhares de trabalhadores parando por quatro semanas até serem forçados a retornar ao trabalho devido à fome e privações.

Foi no final do primeiro estágio de lutas derrotadas dos trabalhadores, em 1848, que o socialista alemão, Karl Marx, expôs o conjunto de suas idéias em seu panfleto O Manifesto Comunista.

Suas idéias não saíram do nada. Elas tentavam proporcionar uma base para lidar com todas as questões que tinham sido levantadas pelo movimento dos trabalhadores da época.

As idéias que Marx desenvolveu são relevantes ainda hoje. É estupidez dizer, como fazem algumas pessoas, que elas estão ultrapassadas porque foram escritas 130 anos atrás. Na verdade, todas as noções de sociedade com que Marx discute estão ainda largamente presentes. Os cartistas discutiam «força moral» ou «força física», e os socialistas de hoje discutem a «via parlamentar» ou a «via revolucionária». Entre aqueles que são revolucionários a discussão entre posições contrárias ou favoráveis ao terrorismo está tão viva hoje, como estava em 1848.

Os Idealistas

Marx não foi a primeira pessoa a tentar descrever o que havia de errado com a sociedade. No tempo em que ele escrevia, novas invenções nas fábricas proporcionavam riquezas em uma escala nunca sonhadas pelas gerações precedentes. Pela primeira vez parecia que a humanidade tinha os meios para defender-se contra calamidades naturais que tinham sido o flagelo do passado.

No entanto, isso não significou qualquer melhora na vida da maioria das pessoas. Bem ao contrário. Os homens, mulheres e crianças que trabalhavam nas novas fábricas levavam uma vida muito pior que seus avós, que trabalhavam no campo. Seus salários mal davam para mantê-los acima da linha da miséria; e crises periódicas de desemprego acabavam por jogá-los bem abaixo disso. Viviam amontoados em cortiços miseráveis, sem água e esgoto, sujeitos a terríveis epidemias.

Ao invés de o desenvolvimento da civilização trazer felicidade e bem-estar geral, estava dando origem a uma miséria ainda maior.

Isto não foi notado apenas por Marx, mas por alguns dos outros grandes pensadores do período. Homens como os poetas Blake e Shelley, os franceses Fourier e Proudhon, os filósofos alemães Hegel e Feuerbach.

Hegel e Feuerbach davam o nome de alienação ao infeliz estado em que se encontrava a humanidade. Um termo que você ainda deve ouvir com freqüência. Hegel e Feuerbach queriam dizer que homens e mulheres sempre descobriam que eram dominados e oprimidos pelo que eles mesmos tinham feito no passado. Desse modo, dizia Feuerbach, os homens desenvolveram a idéia de Deus e então curvaram-se diante dela, sentindo-se miseráveis porque eles não podiam viver além de algo que eles mesmos tinham criado. Quanto mais avançada a sociedade, mais miseráveis, mais «alienadas» as pessoas tornam-se.

Em seus primeiros escritos, Marx tomou essa noção de «alienação» e o aplicou à vida daqueles que criam a riqueza da sociedade.

«O trabalhador torna-se mais pobre na mesma medida da riqueza que produz, na mesma proporção em que cresce sua produção em poder e alcance… O aumento do valor do mundo das coisas ocorre na proporção direta da desvalorização do mundo dos homens… O objeto que o trabalho produz confronta-se com ele como algo alheio, como um poder independente do produtor….»

No tempo de Marx, a explicações mais populares sobre o que estava errado com a sociedade, tinham ainda um fundo religioso. A miséria da sociedade, diziam, ocorria porque as pessoas não conseguiam fazer o que Deus queria que elas fizessem: Se todos nós «renunciarmos ao pecado», as coisas se tornarão justas.

Uma concepção parecida é freqüentemente ouvida hoje, embora negue qualquer caráter religioso. Ela afirma que «para mudar a sociedade, você precisa primeiro mudar a si mesmo. Se mulheres e homens se livrassem de seu ‘egoísmo’ ou ‘materialismo'(ou ocasionalmente de seus constrangimentos), a sociedade ficaria melhor.»

Uma visão parecida com essa fala não de mudar todos os indivíduos, mas de alguns indíviduos-chave – aqueles que exercem o poder na sociedade. A idéia era tentar fazer os ricos e poderosos «enxergarem a razão».

Um dos primeiros socialistas, Robert Owen, começou tentando convencer empresários de que eles deviam ser bondosos com seus trabalhadores. A mesma idéia ainda é dominante entre os líderes do Partido Trabalhista Britânico, incluindo sua ala à esquerda. É só notar como eles consideram os crimes dos patrões como «enganos», como se um pouco de convencimento persuadisse os grandes empresários a relaxar suas garras sobre a sociedade.

Marx refere-se a todas essas visões como «idealistas». Não porque ele seja contra que as pessoas tenham «ideais», mas porque tais visões entendem que as idéias existem isoladas das condições nas quais as pessoas vivem.

As idéias das pessoas estão intimamente ligadas ao tipo de vida que elas são capazes de viver. Vamos tomar o «egoísmo» como exemplo. A sociedade capitalista de hoje estimula o egoísmo – mesmo em pessoas que tentam sacrificar seus próprios interesses em benefício de outros. Um trabalhador que tenta fazer o melhor por seus filhos, ou ajudar seus pais a ter uma vida melhor na velhice, descobre que o único meio de fazer essa coisas é lutar continuamente contra outras pessoas – conseguir um emprego melhor, fazer mais horas-extras, ser puxa-saco do patrão, etc. Em tal sociedade você não pode se livrar do «egoísmo» ou da «cobiça» apenas mudando as mentes dos indivíduos.

É ainda mais ridículo falar em mudar a sociedade através da mudança das idéias das «pessoas do topo». Suponha que você consiga conquistar um grande empresário para as idéias socialistas e ele pare de explorar trabalhadores. Ele simplesmente iria perder competição com os empresários rivais e perder seu negócio.

Mesmo para aqueles que governam a sociedade o que importa não são as idéias, mas a estrutura social sobre a qual se apoiam essas idéias.

Isto pode ser colocado de outra maneira. Se são as idéias que mudam a sociedade, de onde elas vêm? Vivemos em um determinado tipo de sociedade. As idéias divulgadas pela imprensa, TV, sistema educacional e assim por diante, defendem este tipo de sociedade. Então como as pessoas são capazes de desenvolver idéias completamente diferentes delas? Porque as experiências da vida diária contradizem a idéias oficiais de nossa sociedade.

Por exemplo, não se pode explicar porque muito menos pessoas são religiosas hoje do que há 100 anos simplesmente pela grande divulgação de idéias atéias. Ao contrário, é preciso explicar porque as pessoas são capazes de conceber um mundo sem deus de um modo que não conseguiriam cem anos atrás.

Da mesma forma, se quisermos explicar a capacidade de liderança dos grandes homens, temos que explicar primeiro porque as pessoas concordam em seguí-los. Não adianta dizer, por exemplo, que Napoleão ou Lenin mudaram a história, sem explicar porque milhões de pessoas aceitaram fazer o que eles propunham. Afinal, eles não eram especialistas em hipnose coletiva. Alguma coisa em um certo momento na vida da sociedade levou as pessoas a sentir que o que eles propunham parecia correto.

Você somente pode entender como as idéias mudam a história, se entender de onde as idéias vêm e porque as pessoas as aceitam. Isto significa procurar conhecer, para além das idéias, as condições materiais da sociedade na qual elas ocorrem. Por isto é que Marx insistia: «Não é a consciência que determina o ser, mas o ser social que determina a consciência.»

  1. Entendendo a História

As idéias por si mesmas não podem mudar a sociedade. Esta foi uma das primeiras conclusões de Marx. Tal como muitos pensadores antes dele, Marx insistia que para entender a sociedade seria preciso entender os seres humanos como parte do mundo material.

O comportamento humano seria determinado por forças materiais, tal como o comportamento de qualquer outro objeto natural. O estudo da humanidade seria uma parte do estudo científico do mundo material. Pensadores que tinham esta concepção eram chamados de materialistas.

Marx considerava o materialismo como um grande avanço em relação às várias concepções idealistas e religiosas da história. Significava que você podia discutir cientificamente sobre as condições para as mudanças sociais e não dependia mais de preces a Deus ou mudanças espirituais nas pessoas.

Uma visão materialista muito difundida, mas que nada tem a ver com as idéias marxistas, é aquela que entende que os seres humano são animais. Do mesmo modo em que a natureza do lobo seria a de matar e a do carneiro ser pacífico, a natureza do ser humano seria a de ser agressivo, dominador, competitivo e ambicioso (assim como, as mulheres estariam destinadas a serem dóceis, submissas, respeitosas e passivas).

Uma recente formulação desta concepção pode ser encontrada no grande sucesso de vendas O Macaco Nu. As conclusões que são tiradas de tal livro são invariavelmente reacionárias. Se os homens são naturalmente agressivos, como é dito no livro, não há qualquer sentido em tentar melhorar a sociedade. As coisas irão sempre chegar ao mesmo lugar. As revoluções sempre fracassarão.

Mas, na verdade, a «natureza humana» varia de sociedade para sociedade. Por exemplo, a competição, que é entendida como própria de nossa sociedade, raramente existiu em muitas das antigas sociedades. Quando os cientistas tentaram pela primeira vez aplicar testes de QI em índios Sioux, descobriram que os índios não conseguiam compreender porque não podiam ajudar-se uns aos outros a responder. A sociedade em que eles viviam enfatizavam a cooperação, não a competição.

O mesmo acontece com a agressividade. Quando os esquimós encontraram-se pela primeira vez com os europeus, não faziam a menor idéia do que seria a guerra. A idéia de um grupo de pessoas tentando aniquilar um outro grupo lhes parecia absurda.

Em nossa sociedade é considerado natural que os pais amem e protejam seus filhos. Mas em Esparta, na Grécia Antiga, considerava-se natural levar crianças para o alto das montanhas e abandoná-las para testar sua capacidade de sobreviver ao frio.

Teorias que defendem uma «natureza humana imutável» não podem fornecer explicações para os grandes eventos da história. As pirâmides do Egito, as maravilhas da Grécia Antiga, os impérios romanos e incas, a moderna cidade industrial, são colocadas no mesmo nível que os camponeses ignorantes que vivem em cabanas imundas da Idade Média. Tudo o que importa é o «macaco nu» – não as grandiosas civilizações que o macaco construiu. É irrelevante que algumas formas de sociedade tenham sido capazes de alimentar os «macacos», enquanto outras deixam milhões morrer de fome.

Muitos aceitam uma concepção materialista diferente, que enfatiza que é preciso mudar o comportamento humano. Tal como os animais podem ser treinados para se comportar de forma diferente, o comportamento humano também poderia ser mudado. Bastaria que as pessoas certas tomassem o controle da sociedade, para que a «natureza humana» fosse transformada.

Esta visão é certamente um grande passo à frente em relação ao «Macaco Nu». Mas ela falha enquanto explicação sobre como a sociedade como um todo pode ser transformada. Se todos são completamente condicionados na sociedade de nossos dias, como alguém poderia se colocar acima dos outros e enxergar os mecanismos que condicionam as mudanças sociais? Seria uma espécie de minoria escolhida por Deus para ser imune às pressões que dominam todos os outros? Se somos todos animais em um circo, quem seria o domador de leões?

Aqueles que sustentam esta teoria ou acabam dizendo que a sociedade não pode mudar (como em «O Macaco Nu»), ou acreditam que mudanças somente poderiam ser produzidas a partir de fora a sociedade – por Deus, ou «grandes homens», ou pelo poder de idéia individuais. Seu «materialismo» leva a uma nova versão do idealismo que entra pela porta dos fundos.

Como Marx assinalou, esta doutrina acaba necessariamente por dividir a sociedade em duas partes, uma das quais sendo superior à outra. Esta visão «materialista» é, em geral, reacionária. Um dos mais conhecidos partidários desta visão hoje é um psicólogo de direita chamado Skinner. Ele quer condicionar as pessoas a se comportarem de certos modos. Mas como ele mesmo é um produto da sociedade capitalista norte-americana, seu «condicionamento» significa simplesmente fazer as pessoas se conformarem ao tipo de sociedade norte-americana.

Outra visão materialista culpa a «pressão populacional» por toda a miséria do mundo. (Esta visão costuma ser chamada de malthusianismo, pois foi Malthus, um economista inglês do século 18, quem primeiro apresentou essa idéia). Mas esta concepção não pode explicar porque os Estados Unidos, por exemplo, queima cereais enquanto o povo da Índia morre de fome. Nem pode explicar porque 150 anos atrás não havia alimento suficiente para alimentar 100 milhões de pessoas, enquanto hoje a produção é capaz de alimentar 200 milhões.

Esta visão esquece que cada boca extra a ser alimentada é também um indivíduo a mais capaz de trabalhar para criar riquezas.

Marx chamava a todas essas explicações equivocadas de «materialismo mecanicista» ou «materialismo grosseiro». Essa visões esqueciam que sendo parte do mundo material, os seres humanos também são criaturas vivas e ativas cujas ações o transformam.

A interpretação materialista da história

«Os seres humanos podem se diferenciar dos animais pela consciência, religião e qualquer outra coisa que quisermos considerar. Mas. eles somente começam a diferenciar-se dos animais tão logo comecem a produzir seus próprios meios de sobrevivência – sua comida, abrigo e roupas».

Com estas palavras, Karl Marx antes de tudo enfatizava como sua explicação se diferenciava ao explicar como a sociedade se desenvolve. Os seres humanos são animais que descendem dos símios. Tal como outros animais, sua maior preocupação é alimentação e proteção em relação ao clima.

Mas o modo como outros animais fazem isso depende do ambiente biológico. Um lobo mantém-se vivo caçando e matando suas presas, de modo determinado por seus instintos biologicamente herdados. Sua pele o mantém quente nas noites frias. E cria seus filhotes de acordo com padrões de comportamento herdados.

Mas a vida humana não é fixada dessa forma. Os homens que vagavam pelo planeta 100 mil ou 30 mil anos atrás viviam de modo completamente diferente daquele que vivemos hoje. Eles viviam em cavernas ou em buracos no chão. Não possuíam recipientes para armazenar alimentos ou água, e para se alimentarem dependiam da colheita de frutos ou do abate de animais com pedras. Eles não podiam escrever ou contar além da quantidade dos dedos das suas mãos. Não possuíam conhecimento do que ocorria nas vizinhanças mais próximas ou o que seus antepassados haviam realizado.

Contudo, fisicamente o homem de 100 mil anos atrás era semelhante ao homem moderno, e o de 30 mil anos atrás idêntico. Se déssemos um banho e barbeássemos um homem das cavernas, o vestíssemos com um terno e o levássemos para andar na High Street, ninguém o consideraria deslocado.

Como o arqueólogo C. Gordon Childe disse: «Os mais antigos esqueletos de nossa espécie pertencem a fases próximas à última Era Glacial… Desde que os esqueletos de Homo Sapiens foram registrados pela primeira vez na história geológica, já tendo talvez 25 mil anos, a evolução física do homem chegou a um ponto de estabilidade, embora seu progresso cultural tenha apenas começado.»

O mesmo ponto de vista é defendido por outro arqueólogo, Leakey: «As diferença física entre os homens das culturas Aurinaciana e Madaleniana (25 mil anos atrás) de um lado, e o homem existente em nossos dias, de outro, é desprezível. Mas a diferença cultural é incomensurável.

O que o arqueólogo chama de «cultura» são as coisas que homens e mulheres aprendem e ensinam uns aos outros. Por exemplo, como fabricar roupas com lã e peles de animais, como fazer potes de barro, como fazer fogo, como construir habitações, e assim por diante. Esta é uma idéia que opõe a cultura àquelas coisas que os animais sabem instintivamente.

A vida dos primeiros seres humanos já era imensamente diferente da vida dos outros animais. Pois eles eram capazes de usar as características físicas próprias do ser humano -cérebros grandes, membros posteriores capazes de manipular objetos- para começar a moldar o ambiente de modo a torná-lo adaptado a suas necessidades. Isto significava que eles podiam se adaptar a uma grande variação das condições ambientes, sem qualquer mudança em sua estrutura fisiológica. Os seres humanos já não precisavam simplesmente reagir às condições ao seu redor. Podia agir sobre essas condições, começando por mudá-las para seu próprio benefício.

No início, eles usaram paus e pedras para atacar animais selvagens, obtinham luz e calor a partir do fogo que ocorria acidentalmente na natureza, cobriam-se com vegetação e peles de animais. Decorridos muitas dezenas de milhares de anos, eles aprenderam a fazer fogo, esculpir pedras usando outras pedras, e logo aprenderam a cultivar alimento a partir de sementes que eles mesmos plantavam, a estocá-los em recipientes feitos de argila e domesticar alguns animais.

Em tempo relativamente recente -meros 5 mil anos, diante de meio milhão de anos da história humana- os seres humanos aprenderam o segredo de transformar minerais metálicos em ferramentas resistentes e armas eficientes.

Cada um desses avanços teve um enorme impacto, não apenas por tornar mais fácil a alimentação e o vestuário para os seres humanos, mas também na transformação da própria organização da vida humana. Desde o início, a vida humana era social. Apenas a união dos esforços de vários seres humanos podia possibilitá-los matar animais, colher alimentos e manter o fogo aceso. Eles tinham que cooperar.

Esta cooperação contínua também os levou a se comunicarem pela emissão de sons e desenvolvimento da língua. No começo, os grupos sociais eram simples. Não havia cultivo o bastante para manter grupos em número maior que duas dúzias de indivíduos. Todo o esforço tinha de ser dirigido para as tarefas básicas no sentido de conseguir alimento, o que levava a que todos fizessem o mesmo trabalho e vivessem o mesmo tipo de vida.

Sem meios de estocar alimentos, não poderia haver propriedade privada ou divisão entre classes sociais, nem o saque e a pilhagem podiam se apresentar como motivo para guerras.

Até alguns anos atrás, ainda havia centenas de sociedades nas mais variadas partes do globo em que este padrão social permanecia. É o caso dos indígenas das Américas do Sul e do Norte, alguns povos da África Equatorial e do Pacífico, além dos aborígenes australianos.

Não que estes povos fossem menos inteligentes que nós ou tivessem uma «mentalidade primitiva». Os Aborígenes da Austrália, por exemplo, aprenderam a reconhecer literalmente milhares de plantas e os hábitos de uma grande diversidade de animais para poderem sobreviver.

O antropólogo Prof. Firth descreveu como:

«As tribos australianas (…) conheciam os hábitos, características, formas de procriação e flutuações sazonais de todos os pássaros, peixes e outros animais que fossem alvo de caça para alimentação e vestuário. Conheciam tanto as propriedades externas, como algumas menos óbvias, de pedras, gorduras, resinas, plantas, fibras e cascas; sabiam como fazer fogo, como utilizar o calor para aliviar a dor, deter sangramentos e retardar a deterioração de alimento fresco; e sabiam também utilizar o fogo para endurecer algumas madeiras e amolecer outras. (…) Sabiam o mínimo sobre as fases da lua, o movimento das marés, os ciclos planetários e as seqüências e duração das estações; relacionavam as flutuações climáticas como sistemas de ventos, padrões anuais de umidade e temperatura e fluxos no crescimento e permanência das espécies naturais (….) Acrescente-se ainda que eles faziam um uso inteligente e econômico de subprodutos de animais abatidos para alimentação; a carne do canguru é comida; os ossos das pernas são utilizadas para confeccionar ferramentas feitas de pedras ou pinos; os tendões são utilizados para amarrar as pontas de pedra nas lanças; as garras formam colares fixados com fibras e cera, a gordura combinada com ocre vermelho é usada como cosmético, o sangue misturado com carvão transforma-se num pigmento (…) Eles tem algum conhecimento de princípios simples de mecânica e aparam um bumerangue muitas e muitas vezes para dar-lhe a curvatura correta…»

Eles são muito mais inteligentes que nós ao lidar com problemas de sobrevivência no deserto australiano. O que eles não aprenderam foi semear e cultivar seu próprio alimento – algo que nossos próprios ancestrais aprenderam há apenas cerca de 5 mil anos, quando já viviam no planeta por um período 100 vezes maior.

O desenvolvimento de novas técnicas para produzir bens -os meios necessários para continuidade da vida humana- sempre fez nascerem novas formas de cooperação entre os seres humanos, novas relações sociais.

Por exemplo, logo que as pessoas aprenderam a cultivar seu próprio alimento (semeando a terra e domesticando animais) e a armazená-lo (em potes de barro) houve uma completa revolução na vida social – chamada pelos arqueólogos «a revolução do neolítico». Os seres humanos tinham que cooperar entre si para limpar a terra e colher o alimento, assim como caçar os animais. Podiam viver juntos em número muito maior do que antes, podiam estocar comida e iniciar a prática de trocar bens com outros grupos.

As primeiras cidades puderam se desenvolver. Pela primeira vez havia a possibilidade de algumas pessoas viverem sem se envolverem apenas na provisão de alimentos: alguns se especializaram na manufatura de potes, outras na confecção de pederneiras e mais tarde de ferramentas e armas, outras ainda desempenhavam tarefas administrativas elementares para o grupo como um todo. Mas o pior foi que o excedente de comida forneceu um motivo para a guerra. No começo, as pessoas tinham apenas descoberto novos meios de negociar com o mundo à sua volta, ou subjugar a natureza para satisfazer suas necessidades. Mas no processo, sem ter esta intenção, acabaram por transformar a sociedade na qual viviam e junto com ela, transformaram suas próprias vidas. Marx descreveu esse processo do seguinte modo: o desenvolvimento das «forças produtivas» mudaram as «relações de produção» e, através delas, a sociedade.

Existem exemplos bem mais recentes.

Há 300 anos a grande maioria da população deste país vivia no campo, cultivando alimentos através de técnicas que eram as mesmas há séculos. Seu horizonte mental era limitado pela aldeia em que viviam e suas idéias muito influenciada pela igreja local. A grande maioria não tinha necessidade de ler e escrever, e não o fizeram.

Então, 200 anos depois, a indústria começou a se desenvolver. Dez mil pessoas foram atraídas para as fábricas. Suas vidas sofreram uma transformação completa. Agora eles vivem em grandes cidades, não em pequenas aldeias. Precisam aprender habilidades nunca imaginadas por seus ancestrais, incluindo até mesmo a capacidade de ler e escrever. A estrada de ferro e a navegação a vapor tornaram possível viajar por metade do planeta. As velhas idéias marteladas em suas cabeças pelos padres já não mais faziam sentido frente a tudo isso. A revolução material na produção foi também uma revolução no modo em que eles viviam e nas idéia em que acreditavam.

Mudanças parecidas estão ainda afetando um grande número de pessoas. Observe-se o modo como as pessoas das aldeias de Bangladesh ou da Turquia acorrem às fábricas da Alemanha e Inglaterra em busca de trabalho. É só ver como muitos deles descobrem que seus antigos costumes e suas atitudes religiosas já não são adequadas.

Ou observar a maneira como passados 50 anos, a maioria das mulheres acostumaram-se a trabalhar fora de casa e como isto levou-as a desafiar a velha concepção que entendia que elas eram praticamente propriedade de seus maridos.

As mudanças no modo como os seres humanos produzem coletivamente seu alimento, vestuário e habitação causam mudanças no modo como a sociedade se organiza e no comportamento das pessoas no interior dela. Este é o segredo da mudança social – da história – e que os pensadores anteriores a Marx (e muitos depois dele), os idealistas e materialistas mecanicistas, não puderam compreender.

Os idealistas entendiam que aconteciam mudanças – mas diziam que elas eram enviadas dos céus. Os materialistas mecanicistas entendiam que os seres humanos eram condicionados pelo mundo material, mas não viam como os seres humanos pudessem um dia vir a se transformar. O que Marx viu foi que os seres humanos são condicionados pelo mundo à volta deles, mas que eles reagem ao mundo à sua volta, trabalhando nele de modo a torná-lo mais hospitaleiro. Mas ao fazê-lo, eles mudam as condições sob as quais eles próprios vivem.

A chave para entender a mudança social reside no entendimento sobre como os seres humanos fazem frente ao problema de cultivar alimento, abrigo e vestuário. Este foi o ponto de partida de Marx. Mas isto não significa que os marxistas acreditam que avanços na tecnologia automaticamente produzam uma sociedade melhor, ou mesmo que invenções levem necessariamente a mudanças sociais. Marx rejeitava esta concepção (algumas vezes conhecida como determinismo tecnológico). Repetidas vezes na história, pessoas têm rejeitado idéias para aumentar a produção de alimento, habitação e roupas porque elas se chocam com o comportamento ou as formas de sociedade já existentes.

Por exemplo, sob o Império Romano apareceram muitas idéias sobre como aumentar as colheitas em uma dada extensão de terra, mas as pessoas não colocavam essas idéias em prática porque ela necessitavam uma dedicação no trabalho que não podia ser obtida de escravos trabalhando sob o chicote e o medo. Quando a Grã-Bretanha dominou a Irlanda no século 18, tentou impedir o desenvolvimento da indústria local para que isso não se chocasse com os interesses dos empresários de Londres.

Se alguém criasse um método de resolver o problema da fome na Índia através do abate das vacas sagradas ou fornecendo a cada um na Grã-Bretanha com suculento bifes através do processamento de carne de rato, seriam ignorados devido a preconceitos estabelecidos.

O desenvolvimento na produção desafia os velhos preconceitos e antigos hábitos de organização social, mas não os derrota automaticamente. Muitos seres humanos lutam para evitar a mudança – e aqueles que querem introduzir novos métodos de produção têm de lutar para mudar. Se aqueles que se opõem vencem, novas formas de produção não podem ser colocadas em funcionamento e a produção fica paralisada ou mesmo volta para trás.

Utilizando a terminologia marxista: quando as forças produtivas se desenvolvem, elas chocam-se com as relações de produção e com as idéias que surgiram sob as velhas forças de produção. E aí, ou as pessoas que se identificam com as novas forças de produção levam a melhor, ou aqueles que se identificam com o velho sistema o fazem. No primeiro caso, a sociedade move-se para frente. No último caso, ela permanece paralisada ou mesmo retrocede.

  1. Luta de Classes

Vivemos em uma sociedade dividida em classes, em que algumas pessoas possuem grande quantidade de propriedades e a maioria de nós não possui praticamente nada. Naturalmente, nós tendemos a considerar que as coisas sempre foram assim. Mas de fato, em grande parte da história humana, não existiram classes, nem propriedade privada ou polícia e exércitos. Esta foi a situação durante meio milhão de anos de desenvolvimento até 5 ou 10 mil anos atrás.

Enquanto não foi possível que uma pessoa, com seu trabalho, produzisse mais alimento do que o necessário para se manter em condições de trabalhar, não podia haver divisão em classes. Que motivo haveria para manter escravos se tudo o que produzissem seria utilizado para mantê-los vivos?

Mas ultrapassado um certo momento, o avanço da produção fez a divisão em classes não apenas possível mas necessário. Alimento suficiente podia ser produzido para deixar um excedente depois que os produtores imediatos fizessem uso do suficiente para sobreviverem. E passaram a existir os meios necessários para estocar alimento e transportá-los de um lugar para outro.

As pessoas cujo trabalho produzia todo o alimento poderiam simplesmente comer o alimento excedente. Uma vez que viviam em condições de extrema penúria e miséria, elas ficavam fortemente tentadas a fazer isso. Mas isto as deixaria desprotegidas contra desastres naturais, tais como escassez e inundações no ano seguinte, e contra ataques de tribos famintas, vindas de outras áreas.

Num primeiro momento era uma grande vantagem para todos se um grupo especial de pessoas tomasse conta dessa riqueza extra, estocando-a em prevenção contra futuros desastres, usando-a para apoiar os artesãos, construindo meios de defesa, utilizando uma parte para escambo com outros povos distantes em troca de objetos úteis. Essas atividades começaram a ser levadas a cabo nas primeiras cidades, onde administradores, mercadores e artesãos viviam. A partir de marcações feitas em tabuletas para registrar diferentes tipos de produção, a escrita começou a se desenvolver.

Tais foram os primeiros passos vacilantes do que nós chamamos de «civilização. Mas – e esse mas era importante tudo isso era baseado no controle da crescente riqueza por uma pequena minoria da população. E a minoria usava a riqueza para seu próprio bem, assim como para o bem da sociedade como um todo.

Quanto mais a produção se desenvolvia, mais riqueza se concentrava nas mãos desta minoria -e mais ela se afastou do resto da sociedade. As regras, que eram no início um meio de melhorar a vida social, tornaram-se leis, insistindo que a riqueza e a terra que a produzia eram propriedade privada de uma minoria. Uma classe dominante começou a aparecer – assim como as leis que defendiam seu poder.

Pode-se perguntar talvez se seria possível que a sociedade pudesse ter se desenvolvido de outra maneira, de modo que aqueles que trabalhavam na terra pudessem controlar sua produção?

A resposta tem que ser não. Não por causa da «natureza humana», mas porque a sociedade era ainda muito pobre. A maioria da população do planeta estava muito ocupada cavoucando o chão em busca de sua sobrevivência para ter tempo de desenvolver a escrita e a leitura, para criar obras de arte, para construir navios, determinar o curso das estrelas, descobrir rudimentos da matemática, para saber como agir quando os rios transbordam ou como canais de irrigação podem ser construídos. Essa coisas somente podem acontecer se alguns dos meios de vida forem retirados da massa da população e usados para manter uma minoria privilegiada que não tem de trabalhar do nascer ao pôr do sol.

No entanto, isto não significa que a divisão em classes permaneça necessária hoje em dia. Os últimos 100 anos viram um desenvolvimento da produção nunca sonhado na história da humanidade. A escassez natural tem sido vencida – o que agora existe é uma escassez artificial, criada através da destruição de alimentos patrocinada pela queima de estoques de alimentos.

A sociedade de classes hoje está atrasando a humanidade, impedindo-a de avançar. Não foi apenas aquela mudança inicial, que transformou as sociedades puramente agrícolas em sociedades de vida urbana que provocou, necessariamente, as novas divisões de classe. O mesmo processo se repetiu cada vez que novas formas de produção de riquezas começaram a se desenvolver.

Assim, na Inglaterra, mil anos atrás, a classe dominante foi formada por barões feudais que controlavam a terra e viviam do trabalho dos servos. Mas enquanto o comércio começou a se desenvolver em grande escala, surgiu junto com eles uma nova classe privilegiada, de comerciantes ricos. E quando a indústria começou a se desenvolver em uma proporção respeitável, seu poder por sua vez foi questionado pelos proprietários de indústrias.

No início, foi de grande vantagem para todos o fato de um grupo particular de pessoas se apropriar dessa riqueza extra, estocando-a para prevenir futuros desastres, utilizando-a para sustentar artesãos, construindo meios de defesa, trocando parte dela por objetos úteis com povos distantes.

Em cada estágio do desenvolvimento da sociedade houve uma classe oprimida, cujo trabalho criou a riqueza, e uma classe dominante que controlou esta riqueza. Mas enquanto a sociedade se desenvolveu tanto oprimidos como opressores passaram por mudanças.

Na sociedade escravista da Roma antiga, os escravos eram propriedade pessoal da classe dominante. Aos proprietários de escravos pertenciam os bens produzidos pelos escravos porque a eles pertenciam os escravos. Exatamente da mesma forma como a eles pertenciam o leite produzido pelas vacas por que a eles pertenciam as vacas.

Na sociedade feudal da idade média, os servos possuíam sua própria terra, e possuíam aquilo que era produzido nelas. Mas por outro lado para manter essa terra, eles tinha que trabalhar um certo número de dias por ano nas terras pertencentes ao senhor feudal. Seu tempo de trabalho era dividido: talvez metade de seu tempo era dedicado ao trabalho nas terras do senhor, e metade do tempo para eles mesmos. Se eles se recusassem a trabalhar para o senhor, ele tinha o direito de puni-los (com espancamento, prisão ou coisa pior).

Na sociedade capitalista, o patrão não possui fisicamente os trabalhadores, nem tem o direito de puni-los fisicamente quando se recusam a trabalhar para ele em troca de dinheiro. Mas o patrão possui as fábricas onde os trabalhadores têm que conseguir trabalho se quiserem continuar vivendo. Então é muito fácil para eles forçar os trabalhadores a produzir em troca de um salário que vale muito menos que os bens que os mesmos produziram na fábrica.

Em cada caso a classe opressora toma o controle de toda a riqueza e despreza as necessidades mais elementares dos trabalhadores. O proprietário de escravos quer manter sua propriedade em boas condições. Por isso alimenta seu escravo exatamente como colocamos gasolina no carro. Mas tudo o que ultrapassa as necessidades físicas do escravo, o proprietário usa para seu próprio desfrute. O servo feudal tem de se alimentar e vestir-se com o trabalho que ele coloca em seu próprio pedaço de terra. Ele coloca todo o trabalho extra nas terras dos senhores de terra.

O trabalhador moderno tem o seu trabalho remunerado. Mas toda a riqueza que ele cria vai para a classe empregadora como lucro, juros ou renda.

A luta de classes e o Estado

Os trabalhadores raramente têm aceitado seu destino sem resistência. Aconteceram revoltas de escravos no Egito e na Roma antigos, revoltas de camponeses na China imperial, guerras civis entre ricos e pobres nas cidades da velha Grécia, em Roma e na Europa renascentista.

Por isso é que Karl Marx iniciou seu panfleto, O Manifesto Comunista, insistindo que ‘A história de todas as sociedades que existiram até agora tem sido a história da luta de classes’. O desenvolvimento da civilização depende da exploração de uma classe por outra, e portanto da luta entre elas.

Por mais poderoso que fosse um faraó egípcio, um imperador romano ou senhor medieval, por mais suntuosas suas vidas, magníficos seus palácios, eles sempre precisavam garantir a apropriação dos produtos cultivados pelos camponeses e escravos mais miseráveis. E somente podiam fazer isso se junto com a divisão de classes também se desenvolvesse algo mais: o controle sobre os meios de violência a seu favor e a favor de seus apoiadores.

Nas primeiras sociedades não havia exército, polícia ou aparelho governamental separados da maioria da população. Mesmo há cerca de 50 ou 60 anos, por exemplo, em algumas regiões da África, era ainda possível encontrar sociedades nas quais a situação ainda era essa. Muitas das tarefas cumpridas pelo Estado em nossa sociedade eram simplesmente feitas informalmente pela população em geral, ou por assembléias de representantes.

Tais assembléias julgavam o comportamento de qualquer pessoa que fosse considerado uma desobediência de alguma lei social importante. A punição podia ser aplicada por toda a comunidade – por exemplo, forçando infratores a deixar a comunidade. Já que todos concordavam com a necessidade de punição, não havia qualquer necessidade de uma polícia separada.. Se uma guerra tivesse início, todos os homens tomariam parte sob a liderança de homens escolhidos para a tarefa, novamente sem qualquer necessidade de um corpo militar separado.

Mas quando você tem uma sociedade em que uma minoria controla grande parte da riqueza, estas maneiras simples de manter a ‘lei e a ordem’ e a organização militar já não funcionam. Qualquer assembléia de representantes ou reunião de jovens armados iria provavelmente se dividir conforme os interesses de cada classe.

O grupo privilegiado somente pode sobreviver se começar a monopolizar em suas mão a elaboração e aplicação das normais penais, leis, a organização militar, a produção de armas. Assim, a separação em classes sociais foi acompanhada pelo surgimento de juizes, policiais, agentes, generais, burocratas – para os quais a classe privilegiada ofereceu parte da riqueza da qual se apropriou em troca de proteção para suas leis.

Aqueles que servem às fileiras desse ‘estado’ foram treinados para obedecer sem hesitação as ordens de seus ‘superiores’ e romper todas os laços sociais normais com as massas exploradas. O estado foi desenvolvido como uma máquina assassina nas mão da classe privilegiada. E uma máquina extremamente eficaz.

Naturalmente, os generais que controlam esta máquina freqüentemente derrubavam um determinado imperador ou rei e tentavam colocar a si mesmos no poder. A classe dominante, tendo armado um monstro, muitas vezes não conseguia controlá-lo. Mas uma vez que a riqueza necessária para manter a máquina assassina funcionando vinha da exploração das massas trabalhadoras, cada revolta semelhante era seguida pela continuação da sociedade nos velhos moldes.

Por toda a história, as pessoas que realmente quiseram mudar a sociedade para melhor encontraram-se frente não apenas a uma classe privilegiada, mas também uma máquina armada, um estado, que serve aos interesses desta classe.

As classes dominantes, junto com os sacerdotes, generais, policiais e com os sistemas legais que os sustenta, surgiram em primeiro lugar porque sem eles a civilização não poderia se desenvolver. Mas uma vez que se estabelecerão no poder, passou a ser do interesse deles impedir o desenvolvimento da civilização. O poder deles depende de sua habilidade em forçar aqueles que trabalham a entregar a riqueza que produzem a eles. Eles ficam alertas contra qualquer novo meio de produzir, mesmo que seja mais eficiente, pois temem que o controle escape de suas mãos.

Temem qualquer coisa que possa levar as massas exploradas a desenvolver iniciativas independentes. E temem também o surgimento de novos grupos privilegiados com riqueza suficiente para custear suas próprias armas e exércitos. Além de um certo ponto, ao contrário de ajudar o desenvolvimento da produção, eles começam a impedi-lo.

Por exemplo, no Império Chinês, o poder da classe dominante se apoiava na propriedade da terra e no controle de canais e diques que eram necessários para a irrigação e para evitar inundações. Este controle foi a base para uma civilização que durou cerca de 2 mil anos. Mas no fim deste período a produção não estava muito mais avançada que em seu início -mesmo se considerarmos a florescente arte chinesa, a descoberta da imprensa e da pólvora, tudo isso em uma época em que a Europa estava mergulhada nas trevas da Idade Média.

O motivo foi que quando novas formas de produção começaram a se desenvolver, isso aconteceu nas cidades através da iniciativa dos comerciantes e artesãos. A classe dominante temia o crescimento do poder de grupos que não estavam completamente sob seu controle. Assim, periodicamente as autoridades imperiais tomavam medidas duras para esmagar a crescente economia das cidades, diminuindo a produção e destruindo o poder dos novas classes sociais.

O crescimento das novas forças de produção -dos novos meios de produzir riquezas- chocaram-se com os interesses da velha classe dominante. Uma luta desenvolveu-se, cujo resultado determinou todo o futuro da sociedade.

Algumas vezes o resultado, como na China, foi que as novas forças de produção foram impedidas de emergir, e a sociedade permaneceu mais ou menos estagnada por longos períodos.

Algumas vezes, como no império romano, a incapacidade das novas formas de produção implicavam que já não havia produção de riqueza suficiente para manter a sociedade sobre suas velhas bases. A civilização entrou em colapso, as cidades foram destruídas e as pessoas voltaram a viver em primitivas sociedades agrícolas.

Algumas vezes uma nova classe, baseada em novas formas de produção, foi capaz de se organizar para enfraquecer e finalmente derrubar a velha classe dominante, junto com seu sistema legal, seus exércitos, ideologias e religiões. Desse modo, a sociedade pode avançar.

Em cada caso, a sociedade avançava ou retrocedia dependendo de quem vencia a guerra entre as classes. E, como em qualquer guerra, a vitória não era garantida de antemão, mas dependia da organização, coesão e liderança das classes em luta.

  1. Capitalismo: como o sistema começou

Um dos argumentos mais ilusórios que ouvimos é que as coisas não poderiam ser diferentes do que elas são agora. Ainda assim, as coisas já foram diferentes. E não em alguma distante parte do planeta, mas neste país, há não muito tempo. Uns meros 250 anos atrás, as pessoas nos considerariam loucos, se descrevêssemos a elas o mundo em que vivemos hoje, com grandes fábricas, aviões, missões espaciais, e mesmo as linhas férreas estão além da imaginação delas.

Pois eles viviam em uma sociedade que era predominantemente rural, na qual a maioria das pessoas nunca havia se afastado mais que 15 quilômetros de sua aldeia, e na qual o padrão de vida, por milhares de anos, fora determinado pela mudança das estações do ano.

Mas há setecentos ou oitocentos anos, já começava um desenvolvimento que iria desafiar todo o sistema social. Grupos de artesão e negociantes começaram a se estabelecer nas cidades, sem trabalhar de graça para os senhores feudais como o resto da população, mas trocando seus produtos com vários senhores e servos por alimentos. Cada vez mais começaram a utilizar metais como medida de troca. Foi um grande passo para começar a ver cada operação de troca como uma oportunidade para conseguir um pouco do precioso metal, e obter algum lucro.

No início, as cidades somente podiam sobreviver jogando um senhor feudal contra o outro. Mas à medida que as habilidades de seus artesãos foram sendo aperfeiçoadas, mais riqueza produziam e maior poder de influência obtinham. Os ‘burgueses’, ou ‘classes médias’ começaram a surgir como uma classe no interior da sociedade feudal da Idade Média. Mas eles obtiveram sua riqueza de um modo bem diferente do senhores feudais que dominavam a sociedade.

Um senhor feudal vivia diretamente da produção agrícola que era capaz de forçar seus servos a produzirem em suas terras. Ele usava seu poder pessoal para obrigá-los a fazer isso, sem precisar pagar-lhes. Diferente das classes ricas das cidades, que viviam da manufatura de bens não agrícolas. Eles pagavam a trabalhadores para produzir para eles, por dia ou semana.

Estes trabalhadores, freqüentemente servos fugidos, eram ‘livres’ para vir e ir -desde que terminassem o trabalho pelo qual tinha sido pagos. A ‘única’ coisa que os levava a trabalhar era o fato de que eles morreriam de fome se não encontrassem alguém que os empregasse. Os ricos podiam ficam ainda mais ricos porque para não morrer de fome, o trabalhador ‘livre’ aceitava menos dinheiro pelo seu trabalho que o valor dos bens que ele produzia.

Retornaremos a este ponto mais tarde. Agora o que nos importa é que essa classe média e os senhores feudais obtinham sua riqueza de diferentes fontes. Isto levava-os a querer organizar a sociedade de diferentes formas.

O ideal de sociedade dos senhores feudais era uma sociedade na qual ele tivesse absoluto poder sobre suas terras, sem restrições da lei escrita, sem intromissão de qualquer ente externo, com seus servos impossibilitados de serem livres. Ele queria as coisas tal como elas eram nos dias de seu pai e avô, com todos aceitando a situação social em que vieram ao mundo.

Esta burguesia recém-enriquecida necessariamente via as coisas de forma diferente. Queria restringir o poder individual com que senhores feudais e reis interferiam em seu comércio ou roubavam a riqueza que produziam. Sonhava conseguir isso através de um corpo fixo de leis, que seriam escritas e garantidas por seus próprios representantes eleitos. Queria livrar os pobres da servidão para que pudessem trabalhar para eles nas cidades, aumentando os lucros dos burgueses.

Quanto a eles mesmos, seus pais e avós já tinham ficado sob o jugo dos senhores feudais e certamente não queriam que isso continuasse.

Em outras palavras, ele queriam revolucionar a sociedade. Suas discordâncias com a velha ordem não eram apenas econômicas, mas também políticas e ideológicas. Discordância ideológica significa principalmente discordância religiosa, em uma sociedade analfabeta em que a principal fonte das idéias gerais sobre a sociedade eram resultado da pregação da Igreja.

Uma vez que a igreja medieval era dominada por bispos a abades que também eram senhores feudais, ela propagandeava visões pró-feudais, atacando como «pecaminosas» muitas das práticas da burguesia urbana.

Assim, na Alemanha, Holanda, Inglaterra e França dos séculos 16 e 17 a classes médias organizaram sua própria religião, o Protestantismo – uma religião que pregava a frugalidade, sobriedade, trabalho duro (principalmente para os trabalhadores!) e a independência da congregação da classe média dos bispos e abades.

A classe média criou um Deus à sua imagem, em oposição ao Deus da Idade Média.

Hoje nós sabemos na escola ou pela TV que aconteceram grandes guerras religiosas e civis como se fossem motivadas por diferenças religiosas, como se os homens fossem loucos o suficiente para lutar e morrer apenas por que discordavam sobre o papel do sangue e do corpo de Cristo na Sagrada Família. Mas muito mais estava em jogo – o choque entre duas formas completamente diferente de sociedade, baseadas em diferentes formas de organizar a produção da riqueza.

Na Inglaterra, a burguesia venceu. Terrível como deve parecer para as atuais classes dominantes, seus ancestrais consolidaram seu poder cortando cabeças coroadas, justificando o ato com as palavras dos profetas do Velho Testamento.

Mas em outros lugares, o primeiro round foi ganho pelo feudalismo. Na França e na Alemanha a burguesia protestante revolucionária foi liquidada após terríveis guerras civis (embora uma versão feudal do protestantismo tivesse sobrevivido como religião no norte da Alemanha). A burguesia teve que esperar mais de dois séculos até alcançar o seu triunfo no segundo round que começou , desta vez sem roupagem religiosa, em Paris no ano de 1789.

Exploração e Mais-Valia

Nas sociedades escravistas feudais as classes superiores tinham que ter um controle legal sobre a massa trabalhadora da população. De outro modo, aqueles que trabalhavam para o senhor feudal ou para o proprietário de escravos fugiriam, deixando a classe privilegiada sem ninguém para trabalhar para ela.

Mas o capitalista, geralmente, não precisa de controles legais sobre a pessoa do trabalhador. Ele não precisa possuí-lo, já que sabe que o trabalhador que se recusar a trabalhar para ele irá morrer de fome. Ao invés de possuir o trabalhador, o capitalista pode prosperar porque possui e controla as máquinas e fábricas, que são a fonte de sobrevivência do trabalhador.

As necessidades materiais da vida são produzidas pelo trabalho do ser humano. Mas este trabalho é quase inútil sem ferramentas para cultivar a terra e processar a matéria natural. As ferramentas podem variar grandemente – de simples implementos agrícolas como arados e enxadas até complicadas máquinas encontradas em modernas fábricas. Mas sem ferramentas mesmo o mais habilidoso trabalhador é incapaz de produzir as coisas necessárias para a sobrevivência.

É o desenvolvimento dessas ferramentas – geralmente chamadas de ‘meios de produção’- que separa o ser humano de seus distantes ancestrais da Idade da Pedra. O capitalismo é baseado na propriedade desses meios de produção por umas poucas pessoas. Na Inglaterra de hoje, por exemplo, um por cento da população controla 84 por cento das ações e cotas de participação na indústria. Em suas mãos está concentrado o controle efetivo sobre a grande maioria dos meios de produção – as máquinas, fábricas, campos petrolíferos e as melhores terras para o cultivo. A massa da população somente pode sobreviver se o capitalista permitir-lhe que trabalhe no e com os meios de produção. Isto dá aos capitalistas um poder imenso para explorar o trabalho das outras pessoas, mesmo se aos olhos da lei «todos os homens são iguais».

Levou alguns séculos para que os capitalistas monopolizassem o controle sobre os meios de produção. Na Inglaterra, por exemplo, os parlamentos dos séculos 17 e 18 tiveram primeiro que aprovar uma sucessão de Leis de Cercamento, que separaram os camponeses de seu meio de produção, ou seja, a terra que eles cultivaram por séculos. A terra tornou-se propriedade de uma parte da classe capitalista e a grande maioria da população rural foi forçada a vender seu trabalho para os capitalistas ou morrer de fome.

Uma vez alcançado este monopólio dos meios de produção, o capitalismo pôde permitir que a maioria da população desfrutasse, como os capitalistas, da aparente liberdade e igualdade de direitos políticos. Já que, por mais «livres» que fossem, os trabalhadores ainda tinham que trabalhar para viver.

Economistas pró-capitalistas têm uma explicação simples sobre o que aconteceu então. Eles dizem que ao pagar salários, os capitalistas compram o trabalho do operário. E que ele precisa pagar um preço justo por ele. Caso contrário, o trabalhador irá trabalhar para outra pessoa. O capitalista paga um ‘salário justo’ para o trabalhador, portanto o trabalhador deve dar um ‘dia de trabalho justo’ para o patrão.

Como então podemos explicar o lucro? O lucro, afirmam, é uma ‘recompensa’ para o capitalista pelo ‘sacrifício’ de permitir que os meios de produção (seu capital) sejam colocados em uso. É um argumento que dificilmente convence qualquer trabalhador que pense nele duas vezes.

Imagine uma empresa que anuncia uma taxa de lucro líquido de 10 por cento no ano. Ela está dizendo que se o custo de toda a maquinaria, instalações e tudo mais que possui é de 100 milhões, sobram 10 milhões após o pagamento dos salários, matéria-prima e do custo de reposição dos maquinário desgastado em um ano.

Não é preciso ser um gênio para ver que depois de 10 anos, essa empresa irá totalizar um lucro de 100 milhões – ou seja, o custo integral do investimento original.

Se é o ‘sacrifício’ que está sendo recompensado, então seguramente após 10 anos todo e qualquer lucro deveria cessar. Pois aí os capitalistas já teriam recebido o equivalente ao que investiram no início. No entanto, a verdade é que o capitalista ficou duas vezes mais rico que antes. Ficou com o investimento inicial mais os lucros acumulados.

Enquanto isso, o trabalhador sacrificou grande parte da energia de sua vida trabalhando 8 ou mais horas por dia, 48 semanas por ano, na fábrica. Será que ele estará duas vezes melhor no final desse tempo do que em seu início? Pode apostar suas calças que não. Mesmo se ele poupar todo o dinheiro que puder, não será capaz de comprar muito mais do que uma TV a cores ou um carro popular. Nunca será capaz de juntar dinheiro suficiente para comprar a fábrica onde ele trabalha.

O ‘pagamento justo em troca do trabalho justo’ multiplicou o capital do capitalista, enquanto deixou o trabalhador sem capital e sem escolha, a não ser continuar trabalhando pelo mesmo pagamento. Os ‘direitos iguais’ entre capitalista e seus trabalhadores aumentaram a desigualdade.

Uma das maiores descobertas de Karl Marx foi a explicação para essa aparente anomalia. Não existe mecanismo que force o capitalista a pagar a seus trabalhadores o valor integral pelo trabalho que executaram. Um trabalhador empregado, por exemplo, em uma indústria de motores hoje pode criar 190 a 200 libras de produtos por semana. Mas isto não significa que ele ou ela receberão essa soma. Em 99 casos em 100, eles receberão muito menos.

A alternativa dos trabalhadores ao trabalho é morrer de fome (ou no máximo viver das alguns meses com o miserável salário-desemprego). E desse modo, eles não reivindicam o valor integral do que eles produzem, mas apenas o suficiente para lhes proporcionar um padrão mais ou menos aceitável de vida. O trabalhador recebe apenas o suficiente para colocar diariamente todos os seus esforços e sua capacidade de trabalho (chamada por Marx de força de trabalho) à disposição do capitalista.

Do ponto de vista dos capitalistas, desde que os trabalhadores estejam recebendo o suficiente para terem condições de continuar trabalhando e criar seus filhos como uma nova geração de trabalhadores, eles estão recebendo um salário justo por sua força de trabalho.. Mas o total do valor necessário para manter os trabalhadores em condições de trabalhar é consideravelmente menor do que a quantidade de riqueza que eles acabam por produzir. Ou seja, o valor da força de trabalho deles é consideravelmente menor do que o valor criado por seu trabalho.

A diferença que vai para os bolsos dos capitalistas Marx chamou de mais-valia.

A auto-expansão do capital

Se você ler o escritos dos apologistas do atual sistema, vai notar que eles compartilham de uma estranha crença. Dinheiro, de acordo com eles, tem uma propriedade mágica. Ele pode crescer como uma planta ou um animal.

Quando um capitalista coloca dinheiro em um banco, sua expectativa é de que ele cresça. Quando ele investe em ações de uma ICI ou Unilever, ele espera ser recompensado com generosos retornos em dinheiro todo ano, na forma de dividendos. Karl Marx notou isso e chamou esse fenômeno de ‘auto-expansão do capital’, em relação ao qual elaborou uma explicação.

Como vimos anteriormente, sua exposição começa não com o dinheiro, mas com o trabalho e os meios de produção. Na atual sociedade, aqueles que possuem riqueza suficiente podem comprar o controle dos meios de produção. Podem então forçar cada um dos que não têm esse poder a vender a força de trabalho necessária para fazer funcionar os meios de produção. O segredo da ‘auto-expansão do capital’, da milagrosa capacidade que o dinheiro tem de crescer e se multiplicar para quem já possui grandes quantidades dele, reside na compra e venda do trabalho humano.

Vamos tomar como exemplo um trabalhador, a quem daremos o nome de João. Ele conseguiu um emprego com um empresário, Sr. Castro Castanho. O trabalho que João pode fazer em 8 horas irá criar uma volume adicional de valor – talvez uns R$ 50,00. Mas João está disposto a vender seu trabalho por muito menos que isso, já que sua alternativa seria o desemprego, ou no máximo o miserável e temporário salário-desemprego. Os conservadores dizem que pagar um salário-desemprego maior ou por mais tempo iria acabar com o ‘estímulo para o trabalho’.

Se João não quiser ficar na miséria, ele terá que vender sua habilidade para trabalhar, sua força de trabalho, mesmo se lhe for oferecido muito menos que os R$ 50,00 que ele pode criar em suas 8 horas de trabalho. Ele poderá trabalhar, talvez, por cerca de R$ 20,00 por dia. A diferença diária de R$ 30,00 irá para o bolso do Sr. Castro Castanho. É a mais-valia do Sr. Castro Castanho.

Por ter riqueza suficiente para comprar o controle dos meios de produção, o Sr. Castro Castanho pode embolsar R$ 30,00 por dia de cada trabalhador que empregar. Seu dinheiro continua crescendo, seu capital expandindo, não por causa de alguma lei natural, mas devido ao fato de que seu controle sobre os meios de produção lhe permite comprar o trabalho alheio por baixo preço.

É claro que o Sr. Castro Castanho não guarda necessariamente todos os R$ 30,00 para ele mesmo. Ele pode alugar instalações fabris ou terras. Pode ter pedido emprestado algum dinheiro dos outros membros da classe dominante para iniciar seu negócio e eles vão exigir uma parte da mais-valia. Talvez, eles garfem uns R$ 15,00 como pagamento, deixando para o Sr. Castanho apenas os restantes R$ 15,00.

Aqueles que vivem de dividendos provavelmente nunca viram João em suas vidas. No entanto, não é qualquer poder místico do dinheiro que lhes garante sua renda, mas o suor bem físico do João. Os dividendos, os juros do empréstimo e o próprio empréstimo vêm da mais-valia.

O que é que determina quanto João consegue por sua força de trabalho? O empregador vai tentar pagar o menos possível. Mas na prática existem limites, abaixo dos quais os salários não podem chegar. Alguns desses limites são físicos – não é recomendável pagar aos trabalhadores salários tão miseráveis que eles fiquem subnutridos e incapacitados de produzir. Eles também têm que ser capazes de se deslocar para o trabalho e ter algum lugar para descansar à noite, para não caírem no sono sobre o maquinário.

Deste ponto de vista, vale a pena até pagar um pouco mais para que eles cheguem a desfrutar de ‘pequenos luxos’, como uns tragos à noite, uma televisão, e de vez em quando uma viagem no feriado. Tudo isso dá ao trabalhador novo ânimo para trabalhar melhor. Serve também para que o trabalhador «reabasteça» sua força de trabalho. É um fato importante que onde os salários são mantidos muito baixos, a produtividade também cai.

O capitalista tem que se preocupar com outra coisa também. Sua empresa vai estar nos negócios por muitos anos. Muito tempo depois que seus atuais trabalhadores já estiverem mortos. A empresa vai precisar do trabalho dos filhos desses trabalhadores. Eles também tem de assegurar que o Estado forneça, através das escolas públicas, algumas habilidades para essas crianças, como ler e escrever.

Na prática, alguma coisa mais também importa – aquilo que o trabalhador considera como um salário decente. Um trabalhador que recebe um salário muito baixo pode negligenciar suas responsabilidades no trabalho, pouco se importando em perder o emprego já que este lhe parece inútil.

Todos esses elementos determinantes do salário têm uma coisa em comum. Todos tentam assegurar que ele seja suficiente para manter viva a força de trabalho para que o capitalista a compre. Os trabalhadores são pagos para manterem-se, assim como suas famílias, aptos a trabalhar.

Na atual sociedade capitalista, mais um ponto precisa ser ressaltado. Grande quantias de dinheiro são gastas em coisas como forças policiais e armamentos. Tais instrumentos são utilizados pelo Estado em defesa dos interesses da classe capitalista. De fato, eles pertencem à classe capitalista, embora sejam dirigidos pelo Estado. O valor que é gasto neles pertence aos capitalistas, não aos trabalhadores. Também é uma parte da mais valia.

Mais valia é igual a lucro + empréstimos + juros + gastos com polícia e exércitos, assim por diante.

  1. A teoria do Valor-Trabalho

“Mas maquinário, capital, produzem bens tanto quanto o trabalho. E se é assim, é uma questão de justiça que o capital, assim como o trabalho, receba sua parte da riqueza produzida. Cada ‘fator de produção’ tem que ter sua recompensa.”

É assim que alguém que tivesse aprendido um pouco de economia pró-capitalista responderia à análise marxista da exploração e da mais-valia. E à primeira vista, esta objeção parece fazer algum sentido. Pois, certamente, não se pode produzir bens sem capital.

Mas Marx nunca disse que era possível. O problema é que nosso ponto de partida é bem diferente. Começamos por perguntar: de onde vem o capital? Como os meios de produção surgiram?

A resposta não é difícil de achar. Tudo o que o homem utilizou em sua história para criar riqueza -seja um machado neolítico ou o mais moderno computador- teve que ser produzido pelo trabalho humano. Mesmo o machado foi produzido com outras ferramentas, que por sua vez eram produtos do trabalho humano.

É por isso que Karl Marx costumava se referir aos meios de produção como ‘trabalho morto’. Quando os homens de negócios se gabam do capital que possuem, na realidade estão se gabando do fato de que eles controlam um enorme manancial de trabalho das gerações precedentes. E isso não significa que seja o trabalho de seus ancestrais, os quais não trabalharam mais do que ele o faz agora.

A noção de que o trabalho é fonte de riqueza – costumeiramente chamada de ‘teoria do valor trabalho’- não foi uma descoberta original de Marx. Todos os grandes economistas pró-capitalistas até o tempo de Marx aceitavam essa teoria.

Esses homens, como o economista escocês Adam Smith ou o inglês Ricardo, produziam teorias quando o sistema capitalista industrial ainda era muito jovem – poucos anos antes da Revolução Francesa. Os capitalistas ainda não dominavam a sociedade e precisavam saber a verdadeira fonte de sua riqueza se eles quisessem chegar ao poder. Smith e Ricardo serviam a seus interesses ensinando-lhes que o trabalho criava a riqueza, e que para construir sua riqueza eles teriam que libertar o trabalho do controle das classes dominantes pré-capitalistas.

Mas não demorou muito para que pensadores próximos à classe trabalhadora virassem esse argumento contra os amigos de Smith e Ricardo: se o trabalho cria riqueza, então o trabalho cria o capital. E os ‘os direitos do capital’ nada mais são do que os direitos do trabalho usurpado.

Logo os economistas que apoiavam o capital começaram a dizer que a teoria do valor-trabalho não passava de um monte de insensatez. Mas quando a verdade é chutada pela porta da frente, ela costuma voltar pela porta dos fundos.

Ligue o rádio. Ouça algum tempo e você logo ouvirá um ou outro espertinho dizendo que o que há de errado com a economia nacional é o fato de que ‘as pessoas não trabalham duro o suficiente’ ou, dizendo de outro jeito, que ‘a produtividade está muito baixa’. Não vamos discutir agora se você concorda ou não com essa afirmação. Ao invés disso, vamos dar uma boa olhada nesse raciocínio. Eles nunca dizem ‘as máquinas não trabalham duro o bastante’. Não, são sempre as pessoas, os trabalhadores.

Eles afirmam que se os trabalhadores trabalhassem mais, mais riqueza seria criada, e que isso tornaria possível mais investimentos em novos maquinários. As pessoas que usam este argumento podem não saber, mas elas estão dizendo que mais trabalho cria mais capital. O trabalho é a fonte da riqueza.

Digamos que eu tenha uma nota de uma libra no bolso. Qual é a sua utilidade para mim? Afinal, não passa de um pedaço de papel impresso. Seu valor para mim reside no fato de que eu posso trocá-la por algo útil, que foi feito pelo trabalho de outra pessoa. A nota de uma libra, na verdade, não é nada mais do que um vale que me dá direito a uma certa quantidade de trabalho contido em uma mercadoria. Duas notas de um real me possibilitam trocá-las por uma quantidade duas vezes maior de trabalho, e assim por diante.

Quando medimos riqueza estamos medindo o trabalho que foi despendido para criar essa riqueza.

Obviamente, nem todos produzem a mesma quantidade de trabalho em um mesmo período de tempo. Se eu resolver, por exemplo, fazer uma mesa, levarei cinco ou seis vezes mais tempo que um carpinteiro experiente. Mas ninguém em sã consciência iria considerar a mesa que eu fiz cinco ou seis vezes mais valiosa do que a mesa feita pelo carpinteiro experiente. Seria preciso avaliar meu trabalho de acordo com a quantidade de trabalho necessário para que um carpinteiro a faça e não de acordo com a quantidade de trabalho que eu despendi.

Ou seja, se um carpinteiro levasse oito horas para fazer a mesa, o valor da mesa será considerado como o equivalente a oito horas de trabalho. Este seria o tempo socialmente necessário para fazer a mesa, considerado o nível geral de técnica e habilidade na sociedade hoje.

Por essa razão, Marx insistia que a medida do valor de alguma coisa não é simplesmente o tempo que um indivíduo leva para fazê-la, mas o tempo que um indivíduo irá levar para trabalhar dentro do nível médio de tecnologia e habilidade – ele chamava esse nível médio de trabalho necessário ‘o tempo de trabalho socialmente necessário’. Este ponto é importante porque sob o capitalismo estão sempre acontecendo avanços tecnológicos, o que significa que cada vez menos trabalho é necessário para produzir mercadorias.

Por exemplo, quando se costumava fabricar rádios utilizando válvulas térmicas, eles eram produtos muito caros, porque havia grande quantidade de trabalho na fabricação das válvulas, para interligá-las e assim por diante. Então o transistor foi inventado, e este podia ser feito e interligado com muito menos trabalho. De repente, todos os trabalhadores das fábricas de rádio que ainda utilizavam válvulas, descobriram que o preço do que eles produziam tinha desabado. Pois os preços dos rádios já não eram mais determinados pelo tempo de trabalho necessário para fabricar válvulas, mas pelo tempo necessário para fabricar transistores.

Uma última questão. Os preços de alguns bens flutuam de forma desenfreada. Essas mudanças podem ser causadas por muitos outras coisas, além das mudanças na quantidade de trabalho necessária para produzi-las.

Quando uma geada no Brasil mata todas as plantas de café, o preço do café dispara, porque acontece uma escassez mundial e as pessoas precisam pagar mais. Se amanhã alguma catástrofe natural destruir todas as TVs do país, não tenha dúvida de que o preço dos aparelhos de TV irá disparar do mesmo jeito. O que os economistas chamam de ‘oferta e procura’ causa constantemente tais flutuações no preço.

Por esta razão, muitos economistas pró-capitalistas dizem que a teoria do valor-trabalho é uma insensatez. Dizem somente o que o que importa é a lei da oferta e procura. Mas isto é que é insensatez. Pois este argumento esquece que quando alguma coisa flutua, ela flutua geralmente em torno de um certo nível. O mar avança e recua devido às marés, mas isso não significa que não possamos localizar um ponto em torno do qual ele se move, ao qual chamamos nível do mar.

Da mesma forma, o fato de que os preços subam e desçam diariamente não significa que não existam valores fixos em torno dos quais eles flutuam. Por exemplo, se todos os aparelhos de TV fossem destruídos, os primeiros a serem produzidos seriam muito procurados e alcançariam preços elevadíssimos. Mas não demoraria muito para que mais e mais aparelhos chegassem ao mercado, competindo uns com os outros até que os preços fossem forçados a diminuir até chegar aos níveis do tempo socialmente necessário para produzi-los.

Competição e Acumulação

Houve um tempo em que o capitalismo parecia ser um sistema dinâmico e progressista. Na maior parte da história humana, as vidas da maioria dos homens e mulheres foram dominados pelo trabalho árduo e pela exploração. O capitalismo não mudou isto quando apareceu nos séculos 18 e 19.

Mas ele parecia ter dado ao trabalho árduo e à exploração um propósito útil. Ao invés de gastar grandes quantias na luxúria de uns poucos aristocratas parasitas ou na construção de imponentes tumbas para monarcas mortos, ou ainda em guerras fúteis para conquistar um pedaço de território para o filho de algum imperador. O surgimento do capitalismo foi um período de crescimento das indústrias, cidades, meios de transporte, em uma escala nunca sonhada pela história humana anterior.

Estranho como possa parecer hoje, lugares como Oldham e Halifax e Bingley eram lugares em que se operavam milagres. A humanidade nunca tinha visto antes tanto algodão e lã transformados tão rapidamente em vestuários para vestir milhões. Isto não aconteceu porque os capitalistas tivessem alguma virtude especial. Eles eram sempre pessoas um tanto doentias, obcecadas somente por colocar suas mãos na maior riqueza possível através do pagamento mais baixo possível pelo trabalho que eles utilizavam.

Muitas classes dominantes anteriores tinham sido como eles neste aspecto, sem terem construído indústrias. Mas os capitalistas são diferentes por duas razões importantes.

A primeira é o fato de que eles não possuem seus próprios trabalhadores, mas pagam esses trabalhadores por sua habilidade no trabalho, por sua força de trabalho. São escravos assalariados, não são escravos. A segunda razão é que eles próprios não consomem os bens que seus trabalhadores produzem. O senhor feudal vive diretamente da carne, do pão, queijo e vinho produzidos por seus servos. Mas o capitalista vive da venda dos bens produzidos por seus trabalhadores para outras pessoas.

Isto dá ao capitalista individual menos liberdade para fazer o que bem entende do que tinham os senhores feudais e proprietários de escravos. Para vender mercadorias, o capitalista tem que produzi-las o mais barato possível. O capitalista possui a fábrica e é todo poderoso dentro dela. Mas não pode usar este poder da forma que quiser. Ele tem que se curvar diante das necessidades de competição com outras fábricas.

Voltemos ao nosso capitalista favorito, Sr. Castro Castanho. Consideremos que uma certa quantidade de pano de algodão leva 10 horas do tempo do trabalhador de sua fábrica para ser produzido, mas em outra fábrica essa mesma quantidade leva apenas cinco horas. O Sr. Castanho não poderia fixar o preço de sua mercadoria tomando como base as 10 horas de trabalho. Ninguém em sã consciência iria pagar esse preço quando poderia pagar mais barato pelo pano ao virar a esquina.

Qualquer capitalista que queira sobreviver nos negócios tem que assegurar que seus trabalhadores trabalham tão rápido quanto possível. Mas isto não é tudo. Ele também tem que providenciar que seus trabalhadores trabalhem com o maquinário mais moderno, de modo que o trabalho deles produza tantos bens em uma hora quanto os trabalhadores que trabalham para os outros capitalistas. O capitalista que quiser permanecer nos negócios, tem que se assegurar de possuir cada vez maiores quantidades de meios de produção – ou, como Marx disse, acumular capital!

A competição entre capitalistas produziu um poder, o sistema de mercado, que prende todos e cada um sob seu poder. Ele obriga todos a acelerar o processo produtivo o tempo todo e investir tudo o que puderem em novos maquinários. E eles somente podem se dar ao luxo de gastar em novas máquinas (e, obviamente, manter sua vida de luxo) se mantiverem os salários de seus trabalhadores o mais baixo que puderem.

Em sua maior obra, O Capital, Marx escreve que o capitalista é como um miserável, obcecado em juntar mais e mais riquezas. Mas ‘o que no miserável é mera idiossincrasia, no capitalista, é o efeito de um mecanismo social em relação ao qual ele não passa de uma das engrenagens… O desenvolvimento da produção capitalista torna constantemente necessário manter o crescimento do total de capital colocado em um determinado empreendimento, e a competição faz com que as leis imanentes do capital sejam percebidas por cada capitalista como sendo leis coercitivas externas. Isso os obriga a manter seu capital crescendo constantemente para preservá-lo. Mas ele só pode fazer isso através de uma acumulação progressiva. ‘Acumulai! Acumulai! Dizem Moisés e outros profetas.’

A produção não acontece para satisfazer as necessidades humanas – mesmo as necessidades humanas da classe capitalista – mas para possibilitar ao capitalista sobreviver na competição com outros capitalistas. Os trabalhadores que são empregados por cada patrão descobrem que suas vidas são dominadas pela necessidade de seus empregadores de acumular mais rapidamente que seus rivais.

Como Marx disse no Manifesto Comunista: ‘Na sociedade burguesa o trabalho vivo não passa de um meio para acumular trabalho morto… O capital é independente e tem sua individualidade, enquanto as pessoas são dependentes e não tem qualquer individualidade’ .

A compulsão dos capitalistas por acumular em competição uns com os outros explica o grande impulso para frente da indústria nos primeiros anos do sistema. Mas outra coisa também resultou disso. As crises econômicas não são novas. São tão velhas como o próprio sistema.

  1. A Crise Econômica

“Acumulação de riqueza, de um lado, e de pobreza de outro.” É assim que Marx resume a principal tendência do capitalismo. Cada capitalista teme a competição do outro capitalista, assim ele faz seus empregados trabalharem o mais duro possível, pagando os salários mais baixos que puderem arrancar.

O resultado é uma desproporção entre o enorme crescimento dos meios de produção de um lado, e o limitado crescimento dos salários e do número de trabalhadores empregados, de outro. Esta, insistia Marx, é a causa básica das crises econômicas.

O modo mais fácil de entender isso é perguntar: quem compra a sempre crescente quantidade de mercadorias? Os baixos salários dos trabalhadores significam que eles não podem comprar os bens que eles mesmos produzem. E o capitalista não pode elevar os salários, por que isso iria destruir seus lucros, que são a força impulsionadora do sistema.

Mas se as empresas não podem vender os bens que produzem, elas terão que baixar seus estoques e demitir trabalhadores. O montante de salários na sociedade cai então ainda mais, e mais empresas não conseguem vender suas mercadorias. Uma ‘crise de superprodução’ se instala, com mercadorias se acumulando por toda a economia sem pessoas suficientes para adquiri-las.

Este tem sido um aspecto recorrente da sociedade capitalista nos últimos 170 anos.

Mas qualquer apologista mais atinado do sistema iria logo chamar a atenção de que há um meio fácil de sair desta crise. Tudo que os capitalistas precisariam fazer seria investir os lucros em novas fábricas e máquinas. Isto iria fornecer trabalho para os trabalhadores, que iriam então ser capazes de comprar os bens encalhados. Isto significa que contanto que novos investimentos sejam feitos, todos as mercadorias produzidas podem ser vendidas e o sistema poderá oferecer emprego para todos.

Marx não era tolo e reconhecia isto. Certamente, como nós já vimos, ele sabia que a pressão da competição sobre os capitalistas os obrigava a investir. Mas, perguntava ele, isto significa que os capitalistas investiriam todo os seus lucros, todo o tempo?

Os capitalistas apenas investiriam em mercadorias se achassem que lhes renderiam um lucro razoável. Se eles não tivessem certeza disso, não arriscariam. Colocariam seu dinheiro no banco e o deixariam lá.

Se o capitalista iria investir ou não, dependia de como ele avaliasse a situação econômica. Se a situação parecesse boa, todos os capitalistas correriam para investir ao mesmo tempo, atropelando uns aos outros na busca pelos melhores locais para construir, na compra de máquinas, escavando a terra por matérias-primas, pagando acima do mercado por mão-de-obra qualificada.

Isto é habitualmente chamado de ‘boom’.

Mas a desenfreada competição por terras, matérias primas e mão-de-obra qualificada empurra os preços dessas coisas para cima. E subitamente um ponto é alcançado, no qual as empresas descobrem que seus custos aumentaram tanto que seus lucros desapareceram.

O ‘boom’ de investimentos de repente dá lugar a uma queda de investimentos. Uma depressão. Ninguém mais quer novas fábricas -os trabalhadores da construção civil perdem seus empregos. Ninguém mais quer novas máquinas – as indústrias de máquinas entram em crise. Ninguém mais quer o aço e ferro que estão sendo produzidos – a indústria de aço começa de repente a produzir abaixo de sua capacidade e deixa de dar lucros. Falências e fechamento se espalham de empresa para empresa, destruindo empregos – e com eles a capacidade dos trabalhadores de comprar bens de outras indústrias.

A história do capitalismo é a história dessas periódicas quedas em depressão, e na insanidade de trabalhadores desempregados morrendo de fome ao lado de fábricas vazias, enquanto estoques de mercadorias ‘indesejadas’ apodrecem.

O capitalismo cria crises de superprodução periodicamente, porque não existe planejamento de modo a impedir as corridas e as fugas dos capitais em investimentos produtivos todos de uma vez.

As pessoas costumam pensar que o Estado pode deter isso. Através da intervenção na economia, aumentando o investimento governamental quando o investimento privado é baixo e reduzindo-o quando o capital privado volta a investir, o Estado manteria a produção em um nível estável. Mas hoje em dia os investimentos estatais também fazem parte da insanidade geral.

Veja o exemplo da British Steel. Dez anos atrás os metalúrgicos foram avisados de que seus empregos estavam sendo eliminados para abrir caminho a modernos e automáticos fornos que produziriam mais aço com menores custos. Hoje a indústria de aço está estagnada, com muitas de suas fábricas ociosas – porque a Inglaterra não foi o único país a embarcar nessa onda de massivos investimentos. França, Alemanha, EUA, Brasil, Europa Oriental, Coréia do Sul, todos fizeram o mesmo. Um excedente mundial de aço aconteceu logo depois – uma crise de superprodução. E os investimentos foram cortados em todos os lugares. Os metalúrgicos, é claro, sofreram nas duas etapas. Quando os investimentos cresceram e quando foram suspensos.

Este é o preço que a humanidade paga por um sistema econômico em que a produção de riquezas enormes é controlada por um pequeno grupo privilegiado, interessado apenas nos lucros. Não importa se esses pequenos grupos privilegiados possuem diretamente as empresas, ou as controlam indiretamente através de seu poder sobre o Estado (como é o caso da British Steel). Enquanto eles usam seu controle para competir uns com os outros, seja nacional ou internacionalmente, são os trabalhadores que sofrem.

A maior loucura do sistema é o fato de que a ‘crise de superprodução’ não acontece de forma alguma devido à superprodução. Todo este excedente de aço, por exemplo, poderia ter ajudado a resolver a fome mundial. Camponeses em todo o mundo tem que arar a terra com arados de madeira – arados de aço iriam ajudar a aumentar a produção mundial de alimentos. Mas os camponeses não têm dinheiro, então o sistema capitalista não se interessa – não há como obter lucro dessa maneira.

Por que as crises tendem a ficar piores

Crises não acontecem apenas com monótona regularidade. Marx também previu que elas ficariam pior à medida que o tempo passasse.

Mesmo se as coisas acontecessem de forma uniforme, sem arranques e recomeços, isto não deteria a tendência geral rumo à crise. Isto porque a competição entre capitalistas (e entre nações capitalistas) força-os a investir em equipamentos que poupam mão-de-obra.

Na Inglaterra hoje quase todos os novos investimentos têm como objetivo o corte do número de trabalhadores. É por isso que existem menos trabalhadores na indústria inglesa que há 10 anos, mesmo que a produção tenha sofrido um pequeno crescimento neste período.

Somente através da ‘produção racionalizada’, do ‘aumento da produtividade’ e da diminuição da mão-de-obra um capitalista pode abocanhar uma fatia do bolo maior do que outros. Mas o resultado para o sistema como um todo é desastroso. Pois isso significa que o número de trabalhadores de forma alguma cresce à mesma velocidade que os investimentos.

Ainda assim a fonte dos lucros é o trabalho dos trabalhadores, o combustível que mantém o sistema funcionando. Se fizermos mais e mais investimentos, sem o correspondente aumento na fonte de lucros, estaremos caminhando para um colapso – isto é tão certo como se quiséssemos dirigir um Jaguar com a mesma quantidade de gasolina utilizada para manter um Uno funcionando.

É por isto que Marx argumentava 100 anos atrás que é exatamente a capacidade do capitalismo em acumular investimentos em novos equipamentos que leva a uma tendência de declínio da taxa de lucro, cuja maior implicação são crises ainda piores.

Esse argumento pode ser ampliado muito simplesmente ao capitalismo de hoje. Ao invés da velha ladainha sobre os ‘tempos ruins’ dando lugar a ‘tempos melhores’, sobre a depressão transformando-se em expansão, o que nós vemos é uma infindável recessão. Qualquer retomada da produção ou queda no desemprego são limitadas e de pouco fôlego.

Apologistas do sistema dizem que isto acontece porque não são feitos investimentos suficientes. Sem novos investimento não são criados novos empregos, sem novos empregos não há novo dinheiro para comprar novas mercadorias. Até aí podemos concordar que isso acontece – só não podemos concordar com a explicação que eles dão para que isso ocorra.

Eles culpam os salários. Salários estão muito altos, eles dizem, cortando os lucros até o osso. Os capitalistas estão receosos de investir por que não conseguirão um ‘retorno suficiente’.

Mas a crise tem se apresentado mesmo em épocas em que as políticas salariais empurraram o padrão de vida dos trabalhadores para baixo e garantiram lucros elevados para os patrões. Nos anos de 1975 a 1978 vimos os maiores cortes nos salários dos trabalhadores neste século, enquanto os ricos ficaram mais ricos – os 10% mais ricos aumentaram sua participação no bolo nacional de 57,8% em 1974 para 60% em 1976.

E mesmo assim ainda não havia investimento suficiente para deter a crise – e isto aconteceu não somente na Inglaterra, mas também em outros países onde os salários também foram achatados, como a França, Japão, Alemanha Ocidental.

Seria melhor ouvir o que Karl Marx disse 100 anos atrás, do que dar ouvidos aos atuais apologistas do capitalismo.

Marx previu que na medida em que o capitalismo envelhecesse, sua crise ficaria pior devido ao fato de que sua fonte de lucros, a mão-de-obra, de forma alguma conseguiria crescer com tanta rapidez quanto os investimento necessários para colocar a mão-de-obra para trabalhar. Marx escreveu em uma época em que o valor da fábrica e do maquinário necessários para colocar o trabalho em movimento era muito baixo. Desde então, este custo disparou, e hoje pode chegar a 20 ou 30 mil libras. A competição entre as empresas capitalistas forçou-os a usar máquinas cada vez mais caras e maiores. Chegou-se ao ponto em que, na maioria das indústrias, novos maquinários são garantia de menos trabalhadores empregados.

A agência internacional de economia, OECD, calcula que o emprego nas maiores economias do mundo irão despencar nos próximos cinco anos, mesmo que por algum milagre os investimentos disparassem. E isto não deve acontecer. Porque os capitalistas cuidam de seus lucros. E se seus investimentos quadruplicarem, e seus lucros apenas duplicarem, eles ficarão preocupados. Ainda assim isto é o que deve acontecer se a indústria crescer mais rapidamente que a fonte de seus lucros, o trabalho humano.

Como disse o próprio Marx, a taxa de lucro tende a cair. Ele previa que seria alcançado um ponto, a partir do qual qualquer novo investimento seria uma perigosa aventura. A escala de dispêndio necessário para novas máquinas e instalações seria colossal, mas a taxa de juros seria ainda mais baixa do que antes. Quanto este ponto fosse alcançado, cada capitalista (ou estado capitalista) fantasiaria novos e enormes programas de investimentos – mas teria medo de implementá-lo com medo de quebrar.

A atual economia mundial tem muito disso. A British Leyland planeja novas linhas de produção – mas teme perder dinheiro com isso. A British Steel sonha com instalações gigantes que foram planejadas cinco anos atrás – mas teve que congelar os planos porque não consegue vender sua atual produção. Os estaleiros japoneses desistiram de investir em novas instalações e algumas das antigas foram fechadas.

A própria capacidade do capitalismo de construir máquinas cada vez mais produtivas e maiores trouxe o capitalismo a um ponto de uma crise aparentemente permanente.

Um ponto foi atingido nas sociedades escravistas da antigüidade e nas sociedades feudais da Idade Média em que ou a revolução transformaria a sociedade ou ela entraria em uma crise permanente que a faria regredir. No caso de Roma, a revolução não aconteceu e isto levou precisamente à destruição da civilização romana e à Idade das Trevas. No caso de algumas das sociedades feudais – Inglaterra e, mais tarde, França – a revolução destruiu a antiga ordem e permitiu que novos avanços sociais acontecessem, sob o capitalismo.

Agora o próprio capitalismo encara a escolha entre crises permanentes, que irão finalmente mergulhar a humanidade na barbárie através da miséria e da guerra, e a revolução socialista.

  1. A Classe Trabalhadora

MARX iniciou O Manifesto Comunista com a declaração, ‘a história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes. ‘

A questão de como a classe dominante obrigava a classe oprimida a produzir riqueza para ela era crucial. Por causa disto, em todas sociedades anteriores, ocorreram enormes lutas entre as classes, que freqüentemente culminaram em guerra civil – as insurreições de escravos na Roma Antiga, as insurreições camponesas na Europa Medieval, as grandes guerras civis e revoluções dos séculos l7 e l8.

Em todas essas grandes lutas, a massa das forças insurgentes vinha da parte mais oprimida da sociedade. Mas, como Marx logo acrescentou, no final todos os esforços dessa maioria oprimida só serviram para substituir no governo uma minoria privilegiada por outra. Por exemplo, na China Antiga houve várias revoltas camponesas bem sucedidas – mas elas apenas substituíram um imperador por outro. Da mesma forma, aqueles que mais lutaram na Revolução Francesa eram o ‘Bras Nus’ – as classes mais pobres de Paris. Mas no final, a sociedade acabou não sendo governada por eles, mas sim pelos banqueiros e industriais que assumiram o lugar do rei e dos nobres.

Havia duas razões principais para esta impossibilidade das classes baixas em manter controle sobre as revoluções nas quais elas lutaram.

Primeiramente, o nível geral de riqueza da sociedade era bastante baixo. E isso acontecia porque a grande maioria das pessoas foi mantida em enorme pobreza para que uma pequena minoria tivesse tempo e sossego para desenvolver as artes e ciências para manter a civilização. Em outras palavras, a divisão social entre classes era necessária para que sociedade pudesse progredir.

Em segundo lugar, a vida das classes oprimidas não as preparou para dirigir a sociedade. Em geral eles eram analfabetos, faziam pouca idéia de como as coisas eram além da localidade em que viviam e, acima de tudo, sua vida jogava uns contra os outros. Cada camponês só se preocupava em cultivar seu próprio pedaço de terra. E nas cidades, cada artesão trabalhava em seu pequeno negócio. Desse modo, competia com outros artesãos, e não se unia com eles.

As revoltas camponesas começavam com um grande número de pessoas exigindo a divisão das terras do senhor feudal local, mas uma vez derrotado o senhor feudal, essas pessoas começavam a brigar entre si sobre como as terras seriam divididas. Como afirmou Marx, os camponeses eram como batatas em um saco. Eles podiam ser mantidos juntos por uma força externa, mas eram incapazes de se juntar permanentemente para defender seus próprios interesses.

Os trabalhadores que criam a riqueza sob o capitalismo moderno diferem de todas as classes subordinadas anteriores. Primeiro porque a divisão de classes já não é mais necessária para o progresso humano. A sociedade capitalista cria tanta riqueza que ela mesma a destrói periodicamente, em quantidades enormes, em guerras ou crises econômicas. Uma riqueza que poderia ser dividida igualmente e ainda permitir à sociedade um florescimento nos campos da ciência, artes e assim por diante.

Em segundo lugar, a vida sob o capitalismo prepara de várias formas os trabalhadores para tomar o controle da sociedade. Por exemplo, o capitalismo necessita de trabalhadores que sejam qualificados e instruídos. O capitalismo também força milhares de pessoas a se reunirem em grandes locais de trabalho em enormes conurbações, onde elas ficam em contato umas com as outras, e onde eles podem tornar-se uma poderosa força de transformação social.

O capitalismo leva os trabalhadores a cooperar na produção dentro das fábricas, e estas habilidades podem facilmente ser direcionadas contra o próprio sistema, como acontece quando os trabalhadores se organizam em sindicatos. O fato de estarem concentrados em grandes unidades produtivas torna mais fácil para os trabalhadores controlarem estas unidades. Fato que não acontecia em relação às classes dominadas anteriores.

Além disso, o capitalismo tende pouco a pouco a transformar grupos de pessoas que se acham superiores aos trabalhadores manuais (como bancários, professores, funcionários públicos, técnicos etc.) em trabalhadores que são forçados a organizar seus sindicatos, do mesmo modo que os outros trabalhadores.

Recentemente, o desenvolvimento das comunicações – estradas de ferro, estradas, transporte aéreo, correios, telefone, rádio e TV – vem permitindo aos trabalhadores se comunicarem com localidades ou fábricas distantes. Desse modo, podem se organizar como classe em escala nacional e internacional. Algo muito além dos sonhos das antigas classes dominadas.

Todos esses fatos significam que a classe trabalhadora não se limita a ser uma força capaz de se rebelar contra a sociedade existente, mas que ela pode se organizar, elegendo e construindo seus próprios meios de representação, para transformar a sociedade segundo seus próprios interesses, e não apenas para instalar no poder outro imperador ou grupo de banqueiros. Como disse Karl Marx: ‘Todos os movimentos anteriores na história foram movimentos de minorias a favor dos interesses de minorias. O movimento proletário é o movimento consciente e independente da imensa maioria a favor dos interesses da imensa maioria’.

  1. Como a sociedade pode ser transformada?

Na Inglaterra a vasta maioria dos socialistas e sindicalistas geralmente têm argumentado que a sociedade pode ser transformada sem a necessidade de fazer uma revolução violenta. Eles dizem que tudo que é necessário é os socialistas conquistarem o apoio popular para controlar as instituições políticas ‘tradicionais’ – como os parlamentos nacional e os locais. Desse modo, os socialistas teriam condições de mudar a sociedade tomando o controle do estado atual – o serviço público, o Judiciário, a polícia, as forças armadas – para impor leis para restringir o poder da classe patronal.

Dessa maneira, o que se afirma é que o socialismo pode ser introduzido gradualmente e sem violência, através da reforma do atual sistema.

Esta concepção é geralmente chamada de ‘reformismo’, embora ocasionalmente possa receber o nome de revisionismo (porque ela envolve uma revisão completa das idéias de Marx), ‘social-democracia’ (embora até 1914, esse termo significasse socialismo revolucionário) ou Fabianismo (por causa da Sociedade Fabiana, que há muito tempo defende a concepção reformista na Inglaterra). Esta é uma concepção que foi aceita tanto pela esquerda, como pela direita do Partido Trabalhista Inglês, e incorporada ao programa do Partido Comunista, «O caminho inglês para o socialismo inglês», desde 1951.

O reformismo parece, à primeira vista, muito plausível. Isto combina com o que é falado na escola, jornais e na TV -que o ‘parlamento governa o país’ e que ‘o parlamento é eleito de acordo com a vontade democrática do povo’. A despeito disso, todas as tentativas de introduzir o socialismo através do parlamento têm fracassado. Tivemos três governos com maioria trabalhista no parlamento britânico desde a guerra, em especial com ampla maioria em 1945 e 1966 – e mesmo assim os ingleses não estão mais próximos do socialismo do que estavam em 1945.

A experiência fora da Inglaterra mostra o mesmo. Mais recentemente, no Chile em 1970, o socialista Salvador Allende foi eleito presidente. As pessoas diziam que era um ‘novo caminho’ para chegar ao socialismo. Três anos mais tarde os generais que tinham sido chamados a se juntar ao governo derrubaram Allende e o movimento dos trabalhadores chilenos foi destruído.

Existem três razões interligadas pelas quais o reformismo está condenado a sempre fracassar.

Primeiro, enquanto maiorias socialistas em parlamentos estão ‘gradualmente’ introduzindo medidas socialistas, o poder econômico real continua nas mãos da velha classe dominante. Eles podem usar este poder econômico para fechar seções inteiras de indústria, criar desemprego, forçar o aumento de preços, enviar dinheiro ao exterior para criar uma ‘crise na balança de pagamentos’, e lançar campanhas na imprensa culpando o governo socialista por tudo isto.

Assim o governo trabalhista de Harold Wilson foi forçado em 1964 e novamente em 1966 a retirar medidas que beneficiavam os trabalhadores – devido a uma fuga em massa de capitais individuais e empresariais para o exterior. O próprio Wilson descreve em suas memórias como: ‘Nós chegamos à situação em que um governo recém-eleito foi avisado pelos especuladores internacionais que o programa político com que disputamos e vencemos as eleições não poderia ser implementado… Ao primeiro ministro da Rainha foi solicitado que baixasse a cortina sobre a democracia parlamentar, aceitando o fato de que a eleição inglesa fora uma farsa, que o povo britânico não podia escolher entre duas políticas’.

É preciso somente acrescentar que a despeito da alegada indignação de Wilson, pelos seis anos seguintes ele na verdade passou a seguir o tipo de política do agrado dos especuladores.

O mesmo tipo de crise deliberada do balanço de pagamentos forçou o governo trabalhista eleito em 1974 a fazer três cortes consecutivos nos gastos com saúde, educação e serviços sociais.

O governo Allende no Chile enfrentou um boicote ainda maior por parte dos grandes empresários. Por duas vezes, ramos industriais inteiros fecharam as portas devido a greves dos patrões, enquanto a especulação aumentava os preços a níveis elevados e tirava as mercadorias de circulação, obrigando a população a enfrentar filas enormes para comprar bens essenciais.

A segunda razão pela qual o capitalismo não pode ser reformado deve-se ao fato de que a máquina estatal atual não é ‘neutra’, mas feita, de cima a baixo, para preservar a sociedade capitalista.

O Estado controla quase todos os meios para exercer a violência. Somente se a organização do Estado fosse neutra, e fizesse tudo o que quisesse um determinado governo, fosse capitalista ou socialista, o Estado poderia ser usado para deter a sabotagem econômica dos grandes empresários. Mas basta olhar para o modo como a máquina estatal trabalha e para quem realmente dá as ordens, e podemos ver que ela não é neutra.

A máquina estatal não se resume ao governo. É uma vasta organização com diferentes ramos – a polícia, o exército, o judiciário, o serviço público, as pessoas que presidem as estatais e assim por diante. Muitas das pessoas que trabalham nesses diferentes ramos estatais vêm da classe trabalhadora – são assalariados e vivem como os outros trabalhadores.

Mas não são essas pessoas que tomam as decisões. Os soldados rasos não decidem onde e quais guerras devem ser travadas e se greves devem ser reprimidas, o funcionário da seguridade social não decide quanto deve ser o valor da aposentadoria. Toda a máquina estatal é baseada no princípio de que as pessoas que estão num degrau da escada devem obedecer aqueles que estão no degrau de cima.

Este é essencialmente o caso dos órgãos governamentais que exercem a violência física – exército, marinha, força-aérea, polícia. A primeira coisa que os soldados aprendem quando se alista – muito antes de poderem pegar em armas – é obedecer ordens, independentemente de suas opiniões pessoais em relação a essas ordens. É por isso que eles fazem treinamentos absurdos. Se ele fazem movimentos absurdos em uma parada militar, é de se esperar que também atirem quando lhes for ordenado, sem mesmo refletir sobre isso.

O maior crime em qualquer exército é a recusa em cumprir ordens. Esta ofensa é olhada de forma tão rígida que o motim em tempo de guerra ainda é punida com fuzilamento na Inglaterra.

Quem dá as ordens?

Se observarmos a hierarquia de comandos no exército inglês (e em outros exércitos não é diferente) veremos que ela desce do general para o brigadeiro, tenente-coronel, sargento e soldado. Em nenhum estágio nesta hierarquia de comando há direito de voto para qualquer nível do parlamento. E isso acontece porque seria um ato de motim se os soldados escolhessem obedecer a um deputado ao invés de seu oficial comandante.

O exército é uma grande máquina de matar. Os militares que a comandam e têm o poder de promover outros soldados para posições de comando próximas as deles são os generais.

É óbvio que em teoria os generais têm que responder aos governos eleitos. Mas soldados são treinados para obedecer generais, não políticos. Se os generais preferirem dar ordens aos seus soldados que são discrepantes em relação aos desejos do governo eleito, este não pode impedir o cumprimento dessas ordens. Pode apenas persuadir os generais a mudar suas intenções. Isso se o governo souber o tipo de ordem que estão sendo dadas – porque negócios militares são quase sempre secretos, e é muito fácil para os generais esconderem o que estão fazendo de governos que não confiam. Isto não significa que o comandante militar simplesmente ignore o que o governo lhes diz. Na Inglaterra é comum que os militares achem conveniente seguir a maioria das coisas que o governo sugere. Mas, em situações de vida e morte, os generais são capazes de colocar sua máquina assassina em ação sem sequer ouvir o governo. E o governo não tem muito o que fazer em relação a isso. Foi isto o que os generais acabaram fazendo no Chile quando Allende foi derrubado.

Assim a questão não é ‘quem manda no exército’ mas ‘quem são os generais?’ Na Inglaterra 80% dos oficiais de alta patente vieram das melhores escolas pagas. A mesma proporção de 40 anos atrás (17 anos de governos trabalhistas não mudaram isso). Eles são parentes de proprietários de grandes negócios, pertencem aos mesmos clubes, exercem as mesmas funções sociais, partilham as mesmas idéias. O mesmo ocorre com o alto escalão do serviço público, os juizes e chefes de polícia.

Você acha que essa pessoas vão obedecer ordens de um governo para tomar o poder econômico de seus amigos e parentes dos grandes negócios, somente porque 330 pessoas fizeram manifestação em frente ao parlamento? Não seria muito mais provável que eles seguissem o exemplo dos generais, juizes e altos funcionários chilenos, que sabotaram as ordens governamentais por três anos e, quando chegou o momento certo, derrubaram o governo eleito?

Na prática, a constituição dos países com a tal tradição democrática (Inglaterra, França etc.), possibilita que aqueles que controlam a máquina estatal sejam capazes de distorcer a vontade de um governo de esquerda democraticamente eleito sem que ele seja necessário derrubá-lo. Se um governo desse tipo fosse eleito na Inglaterra, enfrentaria uma incansável sabotagem econômica por parte da classe empresarial (fechamento de fábricas, fuga de capitais para o exterior, desabastecimento de gêneros de primeira necessidade, carestia). E se esse governo tentasse lidar com esta sabotagem através do meios constitucionais – aprovando leis – iria logo descobrir que estaria com as mãos atadas.

O parlamento certamente recusaria aprovar tais leis – retardando sua aprovação por no mínimo nove meses. E mesmo que por ventura alguma delas fossem aprovadas, os juizes as ‘interpretariam’ de modo a restringir seu poder de ação. O alto escalão do serviço público, os generais e as altas patentes da polícia usariam as decisões das altas cortes da justiça e do parlamento para justificar sua má vontade em cumprir aquilo que fosse determinado pelos ministros de estado. E seriam apoiados por praticamente toda a imprensa, que denunciaria em altos brados que o governo estaria se comportando ‘ilegal’ e ‘inconstitucionalmente’. Os generais usariam então esses argumentos para justificar as preparações que fariam para derrubar o governo ‘ilegal’.

O governo ficariam impotente para lidar com o caos econômico – a menos que agisse realmente de forma inconstitucional e chamasse os baixos escalões do funcionalismo, da polícia e das forças armadas a se rebelarem contra seus superiores.

Em 1912, a Câmara dos Comuns aprovou uma lei nomeando um ‘parlamento local’ para governar a Irlanda que estava unida na ocasião. O líder Tory, Bonar Law, imediatamente acusou o governo (liberal!) de ser uma junta ilegal que tinha rasgado a constituição. A Câmara dos Lordes naturalmente retardou a aprovação da lei o máximo possível (dois anos), enquanto o ex-ministro Tory, Edward Carson, organizava uma força paramilitar no norte da Irlanda para resistir ao cumprimento da lei.

Quando os generais que comandavam o exército inglês na Irlanda receberam ordens de deslocar suas tropas para o norte para fazer frente aos paramilitares, eles se recusaram e ameaçaram renunciar aos seus cargos. Foi por causa dessa atitude, conhecida como o Motim Curragh, que as Irlandas do Norte e do Sul não conseguiram um parlamento unificado em 1914, e permanecem separadas até hoje.

Em 1974 aconteceu um repetição miniatura dos eventos de 1912. Os partidários de direita leais à coroa britânica organizaram uma interrupção geral da indústria, usando barricadas para impedir as pessoas de irem para o trabalho. Eles não aceitavam ser governados pela coalizão entre protestantes e católicos, formada para dirigir a Irlanda do Norte. Os ministros ingleses convocaram o exército inglês e a polícia norte-irlandesa para dissolver as barricadas e dar um fim à greve. Os altos oficiais do exército e os comandantes da polícia disseram ao governo que isto seria desaconselhável e que nem os soldados, nem a polícia marchariam contra os partidários da Coroa. O governo de coalizão protestante-católica foi forçado a renunciar, já que o ponto de vista dos militares mostrara-se mais poderoso do que o ponto de vista do governo inglês.

Se isto pôde acontecer em 1914 e em 1974 com governos moderados tentando fazer valer medidas tímidas, imagine o que aconteceria se um governo realmente socialista fosse eleito. Qualquer maioria reformista séria em um parlamento logo seria forçada a escolher: ou abandonar as reformas para acalmar os proprietários de indústrias a controlar a posições-chave do Estado, ou se preparar para um conflito aberto, que irá inevitavelmente significar o uso de algum tipo de força contra aqueles que controlam aquelas posições.

A terceira razão pela qual o reformismo é um beco sem saída é o fato de que a ‘democracia’ parlamentar contém mecanismos que impedem que qualquer movimento revolucionário possa tomar forma através dela.

Alguns reformistas argumentam que a melhor maneira de tomar o poder daqueles que controlam as posições-chave na máquina estatal é a esquerda obter uma maioria no parlamento. Este argumento é falho porque o parlamento sempre subestima o nível de consciência revolucionária da maioria da população.

A maioria da população somente vai acreditar que pode governar a sociedade quando começar na prática a mudar a sociedade através da luta. É nos momentos em que milhões de trabalhadores ocupam suas fábricas e tomam parte em greves gerais que as idéias socialistas revolucionárias tornam-se subitamente concretas e reais.

Mas tal nível de luta não pode ser mantido indefinidamente, a menos que a velha classe seja derrubada. Se ela conseguir resistir, só terá que esperar até que as ocupações e greves declinem, para usar seu controle sobre o exército e a polícia para quebrar o movimento.

E uma vez que as ocupações e greves comecem a enfraquecer, o sentimento de unidade e confiança entre os trabalhadores começa a desvanecer. Dá lugar à desmoralização e à angústia. Mesmo os melhores começam a sentir que transformar a sociedade é apenas um sonho louco.

É por isso que as leis anti-sindicais (inglesas) quase sempre incluem uma cláusula que obrigam os trabalhadores a suspender greves quando são realizadas eleições. Tais cláusulas são feitas para jogar água fria na unidade e confiança dos trabalhadores.

O sistema eleitoral parlamentar contém mecanismos que possibilitam períodos de calmaria. Por exemplo, se um governo é derrotado frente a uma grande greve, é provável que diga: ‘Está bem, esperem três semanas até que uma eleição geral possa resolver a questão democraticamente’. Espera-se que neste ínterim a greve seja suspensa. A confiança e a unidade dos trabalhadores irá enfraquecer. Os empresários poderão fazer listas negras de militantes. A imprensa e a TV capitalistas podem novamente começar a funcionar normalmente, martelando as pessoas com idéias a favor do governo. A polícia pode prender ‘arruaceiros’, assim por diante.

Então quando as eleição finalmente acontecem, o voto já não reflete o auge da luta em plena greve geral, mas a calmaria que se segue ao período posterior ao movimento.

Na França de 1968, o governo do general de Gaulle usou as eleições com exatamente para isso. Os partidos reformistas de trabalhadores e os sindicatos orientaram os trabalhadores a suspender suas greves. E De Gaulle venceu as eleições.

O primeiro ministro inglês Edward Heath tentou o mesmo truque ao enfrentar uma grande greve vitoriosa dos mineiros, em 1974. Mas desta vez os mineiros não cederam. Mantiveram o movimento e Heath perdeu a eleição.

Se os trabalhadores esperarem eleições para decidir questões-chave da luta de classes, nunca chegarão a este alto nível.

O Estado dos Trabalhadores

Marx em seu panfleto A Guerra Civil na França, assim como Lenin em O Estado e a Revolução, esboçaram uma concepção completamente diferente sobre como o socialismo pode ser conquistado. Não que tenham simplesmente tirado essas idéias do nada. Ambos desenvolveram suas concepções observando a classe trabalhadora em ação – Marx testemunhou a Comuna de Paris, Lenin os sovietes russos (conselhos de trabalhadores) de 1905 e 1917.

Mas Marx e Lenin insistiam que a classe trabalhadora não pode iniciar a construção do socialismo sem que antes tenham destruído o velho Estado baseado nas hierarquias burocráticas, para depois disso construírem um novo Estado, baseado em princípios inteiramente novos. Lenin destacou que este Estado teria que ser tão diferente do velho, que ele chamou-o de ‘Estado comunista, um Estado que não é um Estado’.

Um novo Estado, diziam Marx e Lenin, seria necessário se a classe trabalhadora quisesse impor suas ordens aos antigos membros das classes dominantes e das camadas intermediárias. É por isso que eles chamavam este tipo de governo de ‘ditadura do proletariado’ – a classe trabalhadora teria que ditar a forma como a sociedade deveria ser governada. Também teria que defender sua revolução dos ataques dos governos capitalistas de outras partes do mundo. Para cumprir estas duas tarefas, este governo teria que ter suas próprias forças armadas, e algumas formas de manter a ordem social, como polícia, tribunais e até prisões.

Mas para que estes novos exército, polícia e sistema legal fossem controlados por seus trabalhadores e nunca se voltassem contra seus interesses, teriam que ser baseados em princípios completamente diferentes daqueles do estado capitalista. Tem que ser um instrumento com o qual a classe trabalhadora, sendo maioria, dite as regras para o resto da sociedade, e não uma ditadura contra a maioria da classe trabalhadora.

As principais diferenças são estas.

O estado capitalista serve aos interesses de uma pequena minoria da sociedade. O Estado dos trabalhadores tem de servir aos interesses da grande maioria. A violência em um estado capitalista é exercida por uma minoria de assassinos contratados, separados do restante da sociedade e treinados para obedecer aos funcionários das classes superiores. Mas em um estado de trabalhadores, a violência seria necessária apenas para que a maioria pudesse proteger-se contra ações anti-sociais feitas pelos remanescentes das antigas classes privilegiadas.

As funções militares e policiais em uma Estado dos trabalhadores podem ser exercidas por trabalhadores comuns, que ainda pertenceriam ao mesmo meio que o de seus colegas trabalhadores, dividindo as mesmas idéias e vivendo o mesmo tipo de vida. De fato, para não haver perigo de que soldados e policiais nunca se separassem da massa de trabalhadores, os ‘soldados’ e ‘policiais’ deveriam ser trabalhadores comuns das fábricas e de escritórios que se revezariam no desempenho dessas funções.

Ao invés de serem dirigidas por pequenos grupos de oficiais, as forças armadas e a polícia seriam dirigidas diretamente por representantes dos trabalhadores.

Representantes parlamentares na sociedade capitalista aprovam leis, mas deixam para os burocratas, chefes da polícia e juizes a tarefa de implementá-las. Isto significa que senadores, deputados e vereadores podem sempre se esconder por de trás de milhões de desculpas quando suas promessas não são cumpridas. Os representantes de um estado de trabalhadores teriam que fazer com que suas leis fossem respeitadas. Eles, e não uma elite de altos burocratas, iriam ter que explicar para os servidores públicos, o exército etc. como as coisas deveriam ser feitas. Da mesma forma, representantes eleitos é que teriam que interpretar as leis nos tribunais.

Representantes parlamentares em um estado capitalista estão separados daqueles que os elegeram por altos salários. Em um estado operário os representantes não vão receber mais do que a média dos salários dos trabalhadores. O mesmo vale para aqueles que trabalham em postos-chave executando as decisões tomadas pelos representantes dos trabalhadores (o equivalente aos atuais servidores públicos).

Os representantes dos trabalhadores, e de todos os que se preocupam com a implementação das decisões dos trabalhadores não seriam senadores, deputados e vereadores, com um mandato garantido de 5 anos. Eles terão que se sujeitar a eleições anuais, e a abdicar de seus mandatos se aqueles que os elegeram avaliarem que eles não estão cumprindo o seus deveres.

Os parlamentares são eleitos por todas as pessoas vivendo em uma certa localidade – pela classe alta, classe média e classe trabalhadora, por proprietários e meeiros, por especuladores financeiros e trabalhadores. Em um estado de trabalhadores somente votariam nas eleições aqueles que trabalham, votando apenas após uma discussão aberta sobre as questões pertinentes. Assim, o núcleo do estado operário seriam os conselhos de trabalhadores nas fábricas, fazendas, portos, escritórios, e grupos como as donas-de-casa, aposentados e pensionistas, estudantes elegeriam seus próprios representantes.

Desse modo, o novo estado não pode tornar-se uma força separada e contrária à maioria da classe trabalhadora – como acontece nos assim chamados países comunistas de hoje.

Ao mesmo tempo, o sistema de conselhos de trabalhadores proporciona um meio pelo qual os trabalhadores possam coordenar seus esforços na direção da indústria de acordo com um plano nacional democraticamente aprovado, e não acabarem por levar suas fábricas a competirem umas com as outras. É fácil ver como a moderna tecnologia dos computadores poderia possibilitar a todos os trabalhadores receberem informações sobre as várias opções econômicas abertas à sociedade, e a orientar seus representantes de modo a escolher aquilo que a maioria dos trabalhadores entende serem as melhores opções – por exemplo, se deveria gastar recursos em um avião Concorde ou em um sistema público de transporte barato e confiável. Se seria melhor construir bombas nucleares ou aparelhos de hemodiálise e assim por diante.

O desaparecimento do Estado

Já que o poder do Estado não seria mais algo separado da massa dos trabalhadores, suas funções seriam muito menos ligadas à coerção do que sob o capitalismo. À medida que os remanescentes da velha sociedade, em relação aos quais o Estado utilizaria repressão, se conformassem com o sucesso da revolução, e à medida em que as revoluções em outros países removessem suas classes dominantes, seria cada vez menos necessária a coerção, até que os trabalhadores já não precisassem dedicar parte de seu tempo para trabalhar como policiais e soldados.

Isto é o que Marx e Lenin queriam dizer quando diziam que o Estado iria se debilitar. Ao invés da coerção contra o povo, o Estado tornar-se-ia um mero instrumento dos conselhos de trabalhadores para decidir como produzir e distribuir mercadorias.

Os conselhos operários surgiram de uma forma ou de outra sempre que a luta de classes dentro do capitalismo alcançou um nível muito elevado. ‘Soviete’ é a palavra que os russos utilizaram para os conselhos de ‘trabalhadores’ em 1905 e 1917.

Em 1918 os conselhos alemães de trabalhadores foram, por um breve tempo, o único poder do país. Na Espanha, em 1936, os vários partidos operários e sindicatos estavam unidos nos «comitês de milícia», os quais dirigiam as localidades e eram muito parecidos com conselhos de trabalhadores. Na Hungria de 1956 os trabalhadores elegeram conselhos para dirigir as fábricas de localidades durante a luta contra as tropas russas. No Chile em 1972-73 os trabalhadores começaram a formar ‘cordones’ – comitês ‘operários’ que estavam ligados às grandes fábricas.

Os conselhos de trabalhadores começam como um corpo de trabalhadores que se uniram para coordenar sua luta contra o capitalismo. Eles podem até começar com funções modestas, levantando fundos de greve, com trabalhadores eleitos para mandatos revogáveis. E nos momentos mais radicais da luta, podem coordenar os esforços de toda a classe trabalhadora. Desse modo, começam a colocar as bases para o poder dos trabalhadores.

  1. Como os trabalhadores tornam-se revolucionários?

Se sairmos às ruas e perguntarmos a alguns trabalhadores se eles querem uma revolução, temos poucas dúvidas quanto à resposta que nos darão. Aqueles que não pensarem que somos loucos, provavelmente ficariam muito espantados com nossa pergunta.

Esta indiferença ou mesmo oposição dos trabalhadores em relação ao socialismo não é nada surpreendente. Todos nós fomos criados em uma sociedade capitalista em que considera-se coisa comum o fato de todos serem egoístas, em que os jornais e a TV dizem que somente uma minoria privilegiada tem capacidade de tomar decisões importantes nas indústrias e no governo, em que a grande maioria dos trabalhadores é ensinada desde o seu primeiro dia na escola a obedecer ordens dadas por aqueles que são ‘mais velhos e mais sábios’.

Como disse Marx, ‘as idéias dominantes são as idéias da classe dominante’ e um vasto número de trabalhadores as aceita. Ainda assim, várias vezes na história do capitalismo, movimentos revolucionários da classe trabalhadora têm abalado um país atrás do outro. Na França em 1871, na Rússia em 1917, Alemanha e Hungria em 1919, Itália em 1920, Espanha e França em 1936, Hungria em 1956, França em 1968, Chile em 1973, Portugal em 1975, Irã em 1979 .

A explicação para esses levantes reside exatamente na própria natureza do capitalismo. O capitalismo é um sistema que tende para a crise. A longo prazo, ele não pode fornecer pleno emprego, não pode oferecer prosperidade para todos, não pode assegurar nossos atuais padrões de vida contra as crises que ele irá produzir futuramente. Mas durante os períodos de expansão do capitalismo, os trabalhadores chegam a esperar essas coisas.

Por exemplo, em 1950, os trabalhadores ingleses chegaram a esperar pleno emprego, um ‘bem estar’ e uma gradual mas real melhoria em seus padrões de vida. Diferente disso, nos últimos dez anos sucessivos governos permitiram o desemprego crescer até atingir um milhão e meio de pessoas, transformaram o ‘bem estar’ em sucata e tentaram seguidamente piorar a qualidade de nossas vidas.

Porque passamos por uma lavagem cerebral através das muitas idéias capitalistas que absorvemos, nós aceitamos esses ataques. Mas inevitavelmente chega-se a um ponto em que os trabalhadores concluem que já não podem mais agüentar. De repente, quando ninguém espera, sua ira explore e eles tomam algumas iniciativas contra os patrões ou o governo. Talvez seja através de uma greve ou de manifestações.

Quando isto acontece, gostem eles ou não, os trabalhadores fazem coisas que contradizem todas as idéias capitalistas que eles antes aceitavam. Começam a agir de forma solidária uns com os outros, como uma classe, contra os representantes da classe capitalista.

As idéias do socialismo revolucionário que eles costumavam rejeitar logo de cara, agora começam a se adequar ao que eles estão fazendo. Pelo menos alguns dos trabalhadores começam a levar a sério aquelas idéias – desde que elas estejam acessíveis.

O alcance em que isso se dá depende do alcance da luta, não das idéias que já estavam nas cabeças dos trabalhadores. O capitalismo força-os a lutar mesmo quando eles estejam com a cabeça cheia de idéias pró-capitalistas. E é a luta que os faz questionar estas idéias.

O poder capitalista repousa em dois suportes: controle dos meios de produção e controle do Estado. Um movimento revolucionário verdadeiro começa entre um grande número de trabalhadores quando as lutas por interesses econômicos imediatos (por salário, emprego, etc.) leva-os a entrar em choque com esses dois suportes do capitalismo.

Tomemos como exemplo um grupo de trabalhadores empregados na mesma empresa por anos. Todo o seu padrão de vida normal e enfadonho depende do trabalho que desempenham ali. Um dia o patrão anuncia que vai fechar a fábrica. Mesmo aqueles trabalhadores que são os eleitores mais conservadores entram em pânico e querem fazer alguma coisa. No desespero, eles decidem que o único meio de continuar a levar o mesmo tipo de vida que o capitalismo os ensinou a viver é ocupar a fábrica e tomar do patrão o controle dos meios de produção.

Logo eles descobrem que isso significa comprar briga também com o Estado, uma vez que o patrão chama a polícia para conseguir de volta o controle de sua propriedade. Se quiserem ter qualquer chance de manter seus empregos, os trabalhadores agora terão que confrontar também a polícia, a máquina estatal, assim como os patrões.

Desse modo o próprio capitalismo cria as condições para um conflito que abre a mente dos trabalhadores para idéias completamente opostas àquelas que o sistema ensinou a eles. É por isso que a história do capitalismo tem sido marcada por periódicas irrupções de sentimentos revolucionários entre milhões de trabalhadores, mesmo quando na maioria das vezes a maioria deles aceitem as idéias que o sistema lhes impõe.

Uma última questão. Uma das coisas mais fortes a impedir muitos trabalhadores de apoiar idéias revolucionárias é o sentimento de que não adianta fazer nada porque os outros trabalhadores não vão apoiá-los. Mas quando eles descobrem que os outros trabalhadores estão agindo, subitamente saem de sua apatia. O mesmo acontece quando os trabalhadores que antes se achavam incapazes de governar a sociedade, ao travarem grandes lutas contra a atual sociedade, acabam por se dar conta de estão tomando para si muito desse tipo de encargo.

É por isso que uma vez iniciados, os movimentos revolucionários podem crescer como uma bola de neve a uma velocidade espantosa.

  1. O Partido Revolucionário Socialista

A premissa básica do marxismo é a de que o próprio desenvolvimento do capitalismo leva os trabalhadores a se revoltarem contra o sistema.

Quando uma revolta como essa estoura – seja como grandes manifestações, insurreições armadas ou mesmo uma grande greve – a transformação da consciência da classe trabalhadora é espantosa. Toda a energia mental que os trabalhadores antes consumiam em mil e uma diversões, é subitamente dirigida para tentar resolver o problema de como mudar a sociedade. Milhões de pessoas trabalhando em um problema como este produz soluções de espantosa engenhosidade, o que freqüentemente deixa revolucionários experientes tão confusos como a classe dominante frente às rápidas mudanças da situação.

Assim, por exemplo, na primeira revolução russa de 1905 uma nova forma de organização dos trabalhadores, o Soviete -o conselho dos trabalhadores – surgiu e se desenvolveu a partir de um comitê instalado durante uma greve de gráficos. Primeiro, o Partido Bolchevique – o mais militante entre os revolucionários socialistas – viu os sovietes com desconfiança: não acreditavam que fosse possível para a massa de trabalhadores originariamente despolitizada criar um instrumento genuinamente revolucionário.

Tais experiências são testemunhadas em muitas greves: os militantes já atuantes são tomados completamente de surpresa quando trabalhadores que sempre ignoraram suas orientações, de repente começam eles mesmos a organizar ações militantes. Esta espontaneidade é fundamental. Mas é errado tirar daí a conclusão de que por causa da espontaneidade não haveria necessidade de um partido revolucionário, como fazem os anarquistas e neo-anarquistas.

Em uma situação revolucionária, milhões de trabalhadores mudam suas idéias muito rapidamente. Mas eles não mudam todas as suas idéias de uma vez. Dentro de cada greve, manifestação, cada levante armado ocorrem discussões muito freqüentes. Alguns trabalhadores acham que a ação que estão realizando é um prelúdio para a tomada do controle da sociedade. Outros se posicionarão contra qualquer ação desse tipo, porque isso iria perturbar a ‘ordem natural das coisas’. No meio disso tudo estará a maioria dos trabalhadores, que ora se sente atraída pelos primeiros argumentos, ora pelos últimos.

Em um lado da balança, a classe dominante irá colocar todo o peso de seus jornais, da máquina de propaganda, para denunciar a ação dos trabalhadores. Ela também utilizaria a força para esmagar a greve, seja utilizando a polícia e o exército, como organizações de extrema direita.

No lado dos trabalhadores, deve haver uma organização de socialistas capaz de tirar lições das lutas de classes do passado, e que possa colocar os argumentos dos socialistas na balança. Uma organização que possa sistematizar a crescente compreensão dos trabalhadores em luta, de modo que eles possam agir juntos para mudar a sociedade.

E este partido revolucionário precisa estar presente na hora em que a luta começa, pois a organização não nasce espontaneamente. O partido é construído através do contínuo cruzamento das idéias socialistas com a luta de classes – apenas entender a sociedade não basta: somente aplicando aquelas idéias e experiência da luta de classes, em greves, manifestações, campanhas, os trabalhadores tomarão consciência de seu poder para mudar as coisas, e ganhar confiança para fazê-lo.

Em certos momentos e situações, a intervenção de um partido socialista pode ser decisivo, pode pesar na balança da mudança, no sentido da transferência revolucionária do poder para os trabalhadores, no sentido da sociedade socialista.

Que tipo de partido?

O partido revolucionário socialista precisa ser democrático. Para cumprir seu papel, o partido precisa estar sempre em contato com a luta de classes, e isto significa estar em contato com seus próprios membros e aliados nos locais de trabalho onde a luta de classes acontece. Ele precisa ser democrático porque sua liderança deve sempre refletir a experiência coletiva da luta.

Mas o partido socialista revolucionário também precisa ser centralizado. Pois é um partido voltado para a ação, não um grupo de discussão. Ele precisa ser capaz de intervir coletivamente na luta de classes, e responder rapidamente. Portanto, tem que ter uma liderança capaz de no dia-a-dia tomar decisões em nome do partido.

Se o governo ordena a prisão dos comandos de greve, por exemplo, o partido tem que reagir imediatamente, sem precisar convocar conferências para tomar decisões democráticas primeiro. Desse modo as decisões são tomadas de forma centralizada e executadas imediatamente. A democracia entra em cena depois, quando os membros do partido avaliam se as decisões tomadas foram corretas ou não – e talvez possam até mudar a direção partidária se ela perder contato com as necessidades da luta.

O partido revolucionário socialista precisa manter um fino e delicado equilíbrio entre democracia e centralismo. A chave da questão é que o partido não existe para si mesmo, mas como um meio para chegar à mudança revolucionária para o socialismo, a qual só pode acontecer através da luta de classes.

O partido não pode substituir a classe trabalhadora. Deve ser parte da luta de classes, buscando sempre unir os trabalhadores com maior consciência de classe para fazer deles lideranças para a luta. O partido também não pode ditar o que a classe deve fazer. Não pode simplesmente autoproclamar-se como liderança, mas deve conquistar esta posição, provando na prática a correção das idéias socialistas.

Algumas pessoas vêem o partido socialista revolucionário como um precursor do socialismo. Isto está completamente errado. O socialismo somente pode se realizar quando a própria classe trabalhadora assumir o controle dos meios de produzir a riqueza e usá-los para transformar a sociedade.

Não se pode construir uma ilha de socialismo em um oceano de capitalismo. As tentativas de pequenos grupos de socialistas no sentido de se isolarem e levarem uma vida de acordo com as idéias socialistas sempre falharam fragorosamente a longo prazo – para começar, as pressões econômicas e ideológicas nunca desaparecem. E ao afastarem-se do capitalismo, estes pequenos grupos também acabam por se afastar da única força que pode conquistar o socialismo – a classe trabalhadora.

É claro que os socialistas lutam contra os efeitos degradantes do capitalismo todos os dias: contra o racismo, contra o machismo, exploração, violência. Mas somente podemos fazê-lo tomando a força da classe trabalhadora como fonte de nossa energia.

  1. Imperialismo e libertação nacional

Por toda a história do capitalismo a classe patronal tem sempre procurado uma fonte de riqueza adicional – apoderar-se da riqueza produzida em outros países.

O crescimento das primeiras formas de capitalismo no final da idade média foi acompanhada pela criação de vastos impérios coloniais pelos estados ocidentais – os impérios de Espanha e Portugal, Holanda e França, e, óbvio, da Inglaterra. Riquezas foram transferidas para as mão das classes dominantes ocidentais da Europa, enquanto sociedades inteiras que ficavam no que agora é conhecido como ‘Terceiro Mundo’ (África, Ásia e América do Sul) foram destruídas.

Assim, a ‘descoberta’ da América pelos europeus no século 16 produziu um enorme fluxo de ouro para a Europa. O outro lado da moeda foi a destruição de sociedades inteiras ou a escravização das que sobreviveram. Por exemplo, no Haiti, onde Colombo iniciou a primeira colonização, os nativos índios Harawak (talvez meio milhão) foram exterminados em apenas duas gerações. No México a população indígena foi reduzida de 20 milhões em 1520 para 2 milhões em 1607.

A população indígena das Índias Ocidentais e de partes do continente foram substituídas por escravos capturados na África e transportados através do Atlântico sob condições abomináveis. Estima-se que cerca de 15 milhões de escravos sobreviveram à travessia do Atlântico enquanto 9 milhões morreram no caminho. Cerca de metade dos escravos foram transportados em navios ingleses – o que é a razão porque o capitalismo inglês foi o primeiro a se expandir.

A riqueza gerada pelo tráfico escravista forneceu meios para financiar a indústria. Como diz um velho ditado: ‘Os muros de Bristol são cimentados com o sangue dos negros’ – e isto pode ser aplicado também para os outros portos ingleses. Como disse Karl Marx, ‘a escravidão velada do trabalho assalariado da Europa foi erigido sobre o pedestal do escravismo simples e puro do Novo Mundo’.

O tráfico de escravos foi complementado pelo saque – como quando a Inglaterra conquistou a Índia. Bengala era tão avançada que os primeiros visitantes ingleses ficaram espantados com a magnificência de sua civilização. Mas esta riqueza não durou por muito tempo em Bengala. Como escreveu Lorde Macauley em sua biografia de Clive, o conquistador: ‘A imensa população foi entregue como presa. Enormes fortunas foram rapidamente acumuladas em Calcutá, enquanto 30 milhões de seres humanos foram reduzidos à mais extrema miséria. Estavam acostumados a viver sob tirania, mas não a uma tirania como esta’.

Deste ponto em diante, Bengala começou a ficar famosa não por sua riqueza, mas por sua extrema pobreza que a cada punhado de anos levava milhões a morrer de fome, uma pobreza que continua até hoje. Enquanto isso, nos anos 1760 em um tempo que o total de capital investido na Inglaterra não era mais do que 6 ou 7 milhões de libras, o tributo anual vindo da Índia para os britânicos era 2 milhões de libras.

Os mesmos processos estavam em andamento na mais antiga colônia inglesa – a Irlanda. Durante a grande fome do final dos anos 1840, quando a população irlandesa caiu pela metade devido à fome e à imigração, trigo mais que suficiente para salvar a população da inanição foi remetida do país para os proprietários ingleses como renda.

Hoje é costume dividir o mundo entre países ‘desenvolvidos’ e ‘subdesenvolvidos’. A impressão é a de que os países ‘subdesenvolvidos’ estão se movendo na mesma direção que os países ‘desenvolvidos’ por centenas de anos, só que há uma velocidade menor.

Mas de fato uma razão para o ‘desenvolvimento’ dos países ocidentais foi a de que os países restantes tiveram suas riquezas roubadas e foram mantidos no atraso. Muitos deles são mais pobres hoje que há 300 anos.

Como ressaltou Michael Barratt Brown, ‘a riqueza por cabeça das atuais regiões subdesenvolvidas, não apenas na Índia, mas na China, América Latina e África era maior que na Europa no século 17 e caiu enquanto crescia riqueza na Europa Ocidental’.

A posse de um império capacitou a Inglaterra a tornar-se a primeira potência mundial. Ela ficou em posição de impedir aos outros estados capitalistas o acesso a matérias-primas, mercados e áreas de investimentos rentáveis no terço do planeta que ela dominava.

Enquanto novas potências industriais como a Alemanha, Japão e EUA cresciam, elas queriam obter essas vantagens para elas próprias. Queriam construir impérios rivais ou ‘esferas de influência’. Diante da crise econômica, cada grande potência capitalista tentava resolver seus problemas encolhendo a esfera de influência de suas rivais. O imperialismo levou à guerra mundial.

Isto por sua vez provocou enormes mudanças no interior da organização capitalista. A ferramenta para travar guerras, o Estado, tornou-se muito mais importante. Ele funcionava ainda mais próximo das empresas gigantes para reorganizar a indústria para a competição externa e para a guerra. O capitalismo torna-se o capitalismo monopolista de estado.

O desenvolvimento do imperialismo significou que os capitalistas não apenas exploravam a classe trabalhadora de seu próprio país, mas também tomaram o controle físico de outros países e passaram a explorar a população deles. Para as classes mais oprimidas dos países coloniais isto significava serem exploradas pelos imperialistas estrangeiros, assim como pelas suas próprias classes dominantes. Elas eram duplamente exploradas.

Mas partes da classe dominante dos países coloniais também sofreram. Elas viram muitas de suas próprias oportunidades de explorar a população local serem roubadas pelo imperialismo. Do mesmo modo como sofreram as classes médias dos países coloniais, que gostariam de ver uma rápida expansão da indústria local de modo a fornecer boas oportunidades de carreira profissional.

Os últimos sessenta anos têm visto várias revoltas das classes em países colonizados ou ex-colonizados contra os efeitos do imperialismo. Desenvolveram-se movimentos que tentaram unir a população em geral contra os domínio imperialista estrangeiro.

Suas reivindicações têm sido:

  • Expulsão de tropas imperialistas
  • Unificação de todo o território nacional sob um único governo, sendo contra sua divisão entre diferentes imperialismos.
  • A utilização da riqueza produzida pelo país para expandir a indústria local, possibilitando ‘desenvolvimento’ e ‘modernização’ nacionais.

Estas eram as reivindicações de sucessivos levantes revolucionários na China (1912, 1923-27 e em 1945-48), no Irã (em 1905-12, 1917-21 e em 1941-53), na Turquia (depois da 1ª Guerra), na Índias Ocidentais (de 1920 em diante), na Índia (nos anos 1920-48), na África (depois de 1945), no Vietnã (até os norte-americanos serem derrotados em 1975), e, ainda hoje, no Sul da África.

Estes movimentos eram freqüentemente liderados por frações das classes altas ou intermediárias, mas para as classes dirigentes dos países avançados isso significava enfrentar mais um oponente, além da sua própria classe trabalhadora. O movimento nacional no chamado ‘Terceiro Mundo’ desafiou os estados imperialistas capitalistas ao mesmo tempo em que o faziam as classes trabalhadoras.

Para o movimento da classe trabalhadora dos países avançados isto tinha grande importância. Significava que em sua luta contra o capitalismo, ela tinha um aliado nos movimentos de libertação do ‘Terceiro Mundo’. Por exemplo, os trabalhadores da Shell na Inglaterra tem um aliado nas forças de libertação da África do Sul que estão lutando para tomar as propriedades que a Shell possui naquele país. Se a Shell frustrar os objetivos dos movimentos de libertação do ‘terceiro mundo’, ela ficará, então, mais forte para resistir às exigências de seus trabalhadores na Inglaterra.

Isto é verdade mesmo que o movimento de libertação num país de terceiro mundo não tiver uma liderança socialista – na verdade, mesmo se esta liderança quiser simplesmente substituir o domínio estrangeiro pelo domínio capitalista local.

O estado imperialista que está tentando esmagar o movimento de libertação é o mesmo estado imperialista que é o maior inimigo do trabalhador ocidental. É por isso que Marx insistia que ‘um estado que oprime os outros não pode libertar-se a si mesmo’, e é por isso que Lenin defendia uma aliança entre os trabalhadores dos países avançados e os povos oprimidos do ‘Terceiro Mundo’, mesmo quando estes tivessem lideranças não-socialistas.

Isto não significa que os socialistas concordarão com os métodos com que os não-socialistas de um país oprimido lideram uma luta de libertação nacional (tanto quanto não concordamos necessariamente com o modo como um líder sindical lidera um greve). Mas temos que deixar claro antes de qualquer coisa que apoiamos este movimento. De outra forma iremos muito facilmente acabar apoiando nossa própria classe dominante contra o povo que ela está oprimindo.

Temos que apoiar lutas de libertação nacional de forma incondicional, antes de criticarmos o modo como ela é liderada. No entanto, socialistas revolucionários em um país que é oprimido pelo imperialismo não pode deixar as coisas assim. Precisam discutir, dia-a-dia, com outras pessoas sobre como a luta de libertação nacional deve ser travada.

Aqui, os pontos mais importantes estão contidos na teoria da revolução permanente desenvolvida por Trotsky. Trotsky começou reconhecendo que freqüentemente os movimentos contra a opressão são iniciados por pessoas da classe média ou mesmo de setores atrasados das classes superiores.

Os socialistas apoiam tais movimentos porque eles objetivam remover uma das cargas que pesam sobre a maioria das classes oprimidas e grupos sociais. Mas também temos que reconhecer que aqueles provenientes das classes médias ou superiores não podem liderar essa luta consequentemente. Eles terão receio de desatar um sangrenta luta de massa, no caso em que essa luta desafiaria não apenas a opressão externa, mas também sua própria habilidade de viver através da exploração das classes mais oprimidas.

Em um certo momento eles vão fugir da luta que eles mesmos iniciaram, e, se necessário, se unir com o explorador estrangeiro para esmagá-la. Neste ponto, se as forças socialistas da classe operária não tomarem a liderança da luta nacional de libertação a luta será derrotada.

Trotsky também fez mais uma observação. É verdade que na maioria dos países do ‘terceiro mundo’, a classe trabalhadora representa apenas a minoria, freqüentemente uma pequena minoria, da população. Mas no entanto, ela é bastante grande em termos absolutos (por exemplo, na Índia e na China chegam a 10 milhões), e cria uma enorme proporção de riqueza nacional em relação ao seu tamanho, e concentra-se esmagadoramente nas cidades que são chaves para a dominação do país, quando chegar a hora de tomar o poder. Assim em um período de tumulto revolucionário, a classe trabalhadora pode tomar a liderança de todas as classes oprimidas e de países inteiros. A revolução pode ser permanente, começando com reivindicações por libertação nacional e terminando com exigências socialistas. Mas apenas se os socialistas em um país oprimido tiverem organizado os trabalhadores como uma classe independente – apoiando o movimento geral de libertação nacional, mas sempre advertindo que não se pode confiar nas lideranças de classe média ou classe superior.

  1. Marxismo e Feminismo

Tem havido duas maneiras diferentes de abordar a liberação das mulheres – o feminismo e o socialismo revolucionário. O feminismo é a influência dominante nos movimentos de mulheres que surgiram nos países capitalistas avançados durante as décadas de 60 e 70. Ele parte da visão de que os homens sempre oprimiram as mulheres; que é a constituição biológica e psíquica dos homens que os fazem tratar as mulheres como inferiores. Isto leva em última instância à conclusão de que a libertação das mulheres somente será possível através da separação entre homens e mulheres – ou da separação total daquelas feministas que querem um ‘estilo de vida liberado’, ou da separação parcial das mulheres em comitês de mulheres, convenções e eventos abertos à participação exclusiva de mulheres.

Muitas daquelas que apoiam esta separação parcial consideram a si mesmas como feministas socialistas. Aceitam a maioria das idéias defendidas pelas feministas radicais que advogam a separação total. Ambos os grupos rejeitam a idéias de que a conquista da libertação feminina está ligada à luta de classes, com mulheres e homens agindo juntos.

Esta falha tem levado muitas feministas para outra direção – para a participação em organizações reformistas, como o Partido Trabalhista Britânico. Elas acreditam que a conquista de direitos nos locais apropriados, como membros do parlamento, sindicatos oficiais, vereadores, irá de alguma forma ajudar as mulheres a encontrar a igualdade.

A tradição do socialismo revolucionário parte de idéias diferentes. Marx e Engels, escrevendo ainda em 1848, argumentavam primeiramente que a opressão sobre as mulheres não surgiu da cabeça dos homens, mas do desenvolvimento da propriedade privada e, com ele, da emergência de uma sociedade baseada em classes. Para eles lutar pela libertação das mulheres era portanto inseparável da luta pelo fim da sociedade de classes – da luta pelo socialismo.

Marx e Engels também ressaltavam que o desenvolvimento do capitalismo, baseado no sistema fabril, trouxe profundas mudanças na vida das pessoas, especialmente na vida das mulheres. Elas foram levadas a trabalhar em fábricas, de volta para a produção social, de onde elas tinham sido progressivamente excluídas com o desenvolvimento da sociedade de classes.

Isto deu às mulheres um potencial que nunca tiveram antes. Organizadas coletivamente, as mulheres como trabalhadoras tinham maior independência e capacidade de lutar por seus direitos. Isto significava uma grande diferença em relação às suas vidas anteriores, quando seu principal papel na produção, cuidando da família, as tornava completamente dependentes do chefe da família – o marido ou o pai.

Disto, Marx e Engels concluíram que a base material para a existência da família e, portanto da opressão feminina, já não existia. O que impedia as mulheres de se beneficiarem desta situação era o fato de que a propriedade permanecia nas mãos de uns poucos. O que mantém as mulheres sob opressão hoje é o modo como o capitalismo é organizado – em particular, o modo como o capitalismo usa a forma específica da família para se assegurar que os trabalhadores procriem e forneçam novos trabalhadores nas gerações seguintes. É uma grande vantagem que as mulheres devotem a maior parte de suas vidas a assegurar, sem qualquer remuneração, que seus maridos fiquem em condições de trabalhar nas fábricas e que seus filhos sejam por ela criados para fazer o mesmo.

No socialismo, ao contrário, a sociedade tomaria conta das muitas funções que hoje pesam sobre as mulheres. Isto não significa que Marx, Engels e seus sucessores estivessem pregando ‘a abolição da família’. Os defensores da família têm sido capazes de mobilizar muitas das mulheres oprimidas em defesa do núcleo familiar – pois elas entendem como ‘abolição da família’ dar licença aos maridos para abandoná-las com as responsabilidades com as crianças. Os socialistas revolucionários têm tentado mostrar que, ao contrário, em uma sociedade mais justa, uma sociedade socialista, as mulheres não seriam forçadas a ter a vida miserável e massacrante que levam nas famílias de hoje em dia.

As feministas sempre rejeitaram esse tipo de análise. Longe de entender que as mulheres têm o poder de mudar o mundo e acabar com sua opressão – ali onde elas são coletivamente fortes, no trabalho – elas as entendem como sofredoras e vítimas. No início dos anos 80, por exemplo, foram feitas campanhas que abordavam questões como a prostituição, o estupro, ou a ameaça das armas nucleares às mulheres e suas famílias. Tudo isso parte da idéia de que as mulheres são fracas.

O feminismo parte do pressuposto de que a opressão está acima da divisão de classes. E isto leva à conclusões que deixam intacta a sociedade de classes enquanto melhoram a situação de algumas mulheres – uma minoria. O movimento de mulheres tem a tendência de ser dominado por mulheres jornalistas, escritoras, da classe média alta, enquanto datilógrafas e operárias são deixadas de lado.

Apenas durante períodos de mudanças radicais e levantes revolucionários que a questão da libertação feminina torna-se realidade, não apenas para uma minoria, mas também para todas as mulheres da classe trabalhadora. A revolução bolchevique de 1917 produziu uma igualdade nunca vista antes. O divórcio, o aborto e o recurso a métodos contraceptivos domésticos tornaram-se livremente disponíveis. A educação das crianças tornou-se responsabilidade das sociedades. Iniciou-se a utilização de restaurantes, lavanderias e creches comunitários, que davam às mulheres maior possibilidade de escolher e controlar como levar suas vidas.

Claro que o destino destes avanços não poderia ser separado do destino da própria revolução. A fome, a guerra civil, a dizimação da classe trabalhadora e o fracasso da revolução internacional significaram a derrota do socialismo na própria Rússia. Os avanços rumo à igualdade foram revertidos.

Mas os primeiros anos da república soviética mostraram o que a revolução socialista pode conquistar, mesmo sob as mais desfavoráveis condições. Hoje as perspectivas para a libertação feminina são muito melhores. Na Inglaterra e nos países capitalistas mais avançados, mais que dois trabalhadores em cinco são mulheres. Isto mostra que a libertação coletiva das mulheres somente pode ser alcançada através do poder da classe trabalhadora. Isto significa rejeitar a idéia feminista de criar organizações separadas de mulheres. Apenas homens e mulheres trabalhadores atuando juntos como parte do movimento unificado revolucionários podem destruir a sociedade de classes, e acabar com a opressão sobre as mulheres.

  1. O socialismo e a guerra

O atual século tem sido o século das guerras. Dez milhões de pessoas foram mortas no Primeira Guerra Mundial, cinqüenta e cinco milhões na Segunda, dois milhões nas guerras da Indochina. E as duas superpotências, América e Rússia, agora possuem os meios para destruir a raça humana várias vezes.

Explicar este horror é difícil para aqueles que consideram a sociedade atual como a única. Elas são levadas a concluir que existe algum impulso inato, instintivo nos seres humanos que os levam a apreciar assassinatos em massa. Mas as guerras não são um fenômeno conhecido por todas as sociedades humanas. Gordon Childe nota que na Europa da Idade da Pedra: ‘O primeiros Danubianos parecem ter sido um povo pacífico. Armas de guerra são ausentes em suas sepulturas. Suas aldeias não possuíam defesas militares’. Mas ‘nas fases mais tardias do período neolítico os armamentos começaram a se tornar mais evidentes’…

Guerras não são causadas por alguma agressividade humana inata. São produtos da divisão da sociedade em classes. Quando, entre 5 mil e 10 mil anos atrás, uma classe de donos de propriedades surgiram. Não tinham meios de defender sua riqueza. Começaram a constituir forças armadas, um estado, separado do resto da sociedade. Isto então tornou-se um valioso meio de aumentar ainda mais suas riquezas, através da pilhagem de outras sociedades.

A divisão da sociedade em classes significou que a guerra tornou-se uma característica permanente da vida humana.

As classes dominantes proprietárias de escravos da Grécia e Roma antigas não podiam sobreviver sem guerras contínuas para obter mais escravos. Os senhores feudais da idade média tinham de permanecer armados para subjugar os servos locais e protegerem-se de pilhagens feitas por outros senhores feudais. Quando as primeiras classes capitalistas dominantes surgiram há 400 ou 500 anos, elas também tinham que freqüentemente recorrer a guerras – tiveram que travar guerras terríveis nos séculos 16, 17 e 18 para estabelecer sua supremacia sobre os remanescentes dos velhos senhores feudais.

Ao mais bem sucedidos países capitalistas, como a Inglaterra, usaram a guerra para expandir sua riqueza, transpondo os mares, pilhando a Índia e a Irlanda, transportando milhões de pessoas como escravos da África para a América, transformando o mundo todo em uma fonte de pilhagem para si mesma. A sociedade capitalista se constituiu através da guerra. Não admira que aqueles que vivem em seu interior cheguem a acreditar que a guerra não só é ‘inevitável’, como ‘justa’.

Ainda assim, o capitalismo não pode se basear sempre e inteiramente na guerra. A maioria de sua riqueza sai da exploração de trabalhadores em fábricas e minas. E isto é algo que pode ser interrompido por qualquer confronto que venha a ser travado dentro das fronteiras.

Toda classe capitalista nacional quer paz em casa, enquanto trava guerras no estrangeiro. Assim, enquanto encoraja a crença nas ‘virtudes militares’, ela também ataca fortemente a ‘violência’. A ideologia capitalista combina, de um modo completamente contraditório, a exaltação ao militarismo com frases pacifistas.

No atual século, a preparação para a guerra tornou-se mais central para o sistema do que jamais fora antes. No século 19 a produção capitalista era baseada em muitas pequenas empresas competindo umas com as outras. O Estado era um corpo relativamente pequeno que regulava as relações entre elas e com os trabalhadores. Mas no século em que vivemos as grandes empresas têm engolido a maioria das pequenas empresas, acabando com a maioria da concorrência dentro de cada país. A competição está mais e mais internacional, entre gigantes de diferentes nações.

Não existe um Estado capitalista internacional para regular a competição. Ao contrário, cada Estado nacional exerce toda a pressão de que é capaz para ajudar seus capitalistas a conseguir vantagem sobre seus rivais. A luta de vida e a morte de diferentes capitalistas uns com os outros pode tornar-se uma luta de vida e morte entre estados diferentes, cada um com seu grande dispositivo bélico de destruição.

Por duas vezes esta luta levou a guerras mundiais. A Primeira e a Segunda guerras mundiais foram guerras imperialistas, conflitos entre alianças de estados capitalistas pela dominação do globo. A Guerra Fria é uma continuação desta luta, com os mais poderosos estados capitalistas alinhados uns com os outros na OTAN e com a chegada do Pacto de Varsóvia a este conflito, muitas guerras quentes têm ocorrido em diferentes partes do mundo.

Como de costume, têm sido lutas entre estados capitalistas diferentes sobre quem deverá controlar uma determinada região, como aconteceu na Guerra do Iraque deflagrada em 1980. Tanto os blocos ocidental como o oriental incitam guerras para vender a mais sofisticada tecnologia militar para os estados do Terceiro Mundo. O terrível poder destrutivo destas armas foi demonstrado dramaticamente pela guerra das Malvinas, em 1982.

Muitas pessoas que aceitam o capitalismo em geral, não gostam dessa realidade repugnante. Querem capitalismo mas não querem guerras. Elas tentam encontrar alternativas dentro do sistema. Por exemplo, existem os que acreditam que a ONU pode impedir as guerras.

Mas a ONU é apenas um arena em que se encontram diferentes estados que priorizam o esforço de guerra. Ali eles medem suas forças, como lutadores se estudam antes de golpearem. Se um estado ou aliança suplanta a força de seus oponentes com uma pequena margem de vantagem, ambos acabam entendendo que trata-se de uma guerra sem sentido, cujo resultado é conhecido de antemão. Mas se surge uma pequena dúvida sobre o resultado final, eles somente conhecem um meio de resolver a contenda. Declarar a guerra.

Esta é a verdade, tanto em relação á OTAN como ao Pacto de Varsóvia. Mesmo onde o Ocidente tem uma margem á frente do bloco oriental, a desvantagem não é tão grande que faça os russos acreditarem que estão em uma desvantagem irreversível. Assim, apesar do fato de que a Terceira Guerra Mundial poderia varrer a vida humana da face da terra, tanto Washington como Moscou elaboram planos para travar e vencer uma guerra nuclear.

Aqueles que acreditam que é possível viver em paz sob o capitalismo colocam suas esperanças nos acordos entre as superpotências. Mas a desconfiança mútua entre os dois lados enfraquece qualquer acordo deste tipo. Ambos temem tanto serem ultrapassados por seus rivais na corrida armamentista, que procuram desenvolver ainda mais armas de destruição em massa. O acordo de 1972 que pretendia limitar os arsenais nucleares tanto no Oeste, quanto no Leste não pôde evitar uma aceleração da corrida armamentista.

Pode-se ser contrário e temer a guerra sem se opor ao capitalismo. Mas não se pode acabar com elas desse modo. A guerra é um produto inevitável da divisão da sociedade em classes. A ameaça que representam nunca cessará implorando aos governantes que façam as pazes. As armas têm que ser arrancadas de suas mão por um movimento que lute por derrubar a sociedade de classes de uma vez por todas.

Os movimentos pacifistas que apareceram na Europa e América do Norte no final dos anos 70 não compreenderam isso. Eles lutaram para deter a introdução dos mísseis Cruise e Persing, pelo desarmamento unilateral, por um congelamento nuclear. Mas eles acreditavam que a luta pela paz podia obter sucesso isolada da luta entre capital e trabalho.

Desse modo, somente poderiam falhar no sentido de mobilizar o único poder capaz de deter os esforços para guerra, a classe trabalhadora. Apenas a revolução socialista pode deter o horror das guerras.